sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Ensaio sobre a Quadrilha.

Já era o último ano do colegial e ainda não tinham resolvido sua vida. Elisa, desde os seus 12 anos, prometia que no próximo ano se apaixonaria por alguém. E nada. Ela passava o ano livre, leve, solta, e se seus amigos tinham ‘mania’ de sofrer por amor, ela sofria de vontade de amar. Amava sim. A vida. E era feliz.

Mas a paixão estava difícil de acontecer pra ela, fato que Joaquim, pobrezinho, não conseguia decidir se era bom ou ruim: “Me apaixonei por ela aos 10 anos, juro! Dizem que amor de criança é pra sempre. Não sei se devo ter medo desse jeito dela de não se apaixonar por ninguém, ou se devo ficar feliz com isso, afinal, pelo menos ela não esfrega sua paixão por outro na minha cara”. No fim, ele sempre concluía que era melhor assim. Se Lili não o amava, era melhor que não amasse ninguém. E ele continuava lá, também solteiro, à espera de que um dia sua sonhada Elisa olharia para ele com os olhos da paixão.

Enquanto isso, Maria fazia coraçõezinhos em seu caderno, ponderando pela centésima vez se se declarar para Joaquim era uma boa ideia. Nunca tivera coragem, sempre desistia quando começava a tentar falar. Às vezes bem antes. Adorava dizer que não era medo, e sim, orgulho: “Ele gosta mesmo é da Elisa. Não vou me humilhar, portanto”, e assim, decidia por mais uma noite que sentaria na frente da janela, abraçada ao travesseiro, pedindo para a lua lhe trazer Joaquim sem que ela precisasse dizer que o amava. Mas o amava, e como o amava.

Do outro lado da sala, estava Raimundo. O antes tímido, que não era conhecido por ninguém, e agora, famoso. Afinal de contas, que menino de 17 anos tem coragem de comprar um buquê de flores vermelhas e se declarar para a amada no meio do pátio? Foi o que Raimundo vez. Não deu certo, os olhos de Maria só brilhavam para Joaquim, que só olhava para Elisa, que não olhava para ninguém. Raimundo, por sua vez, passou a ser considerado o “último dos românticos” da escola, e todas as meninas passaram a sonhar com ele. Menos Maria, que amava Joaquim. E Lili, claro, que não amava ninguém. Mas como ele queria Maria, ficava quieto, só mandando sorrisinhos de canto, lá, do outro lado da sala. Quem sabe um dia ela desencanava de Joaquim?

Atrás de Raimundo sentava Teresa, uma das mais bonitas da sala. Cabelos pretos longos, com olhos castanhos e pele bem branca, estava sempre de batom vermelho, parecia a Branca de Neve! Metade dos meninos da sala queria ser seu príncipe encantado. Alguns prometeram até cavalo branco. Mas foi por Raimundo que ela se apaixonou, bem naquele dia, quando ele entregou flores para Maria. Passava a aula sussurrando em seu ouvido que o amava. E ele insistia em ignorá-la solenemente, apenas mandando sorrisinhos para Maria, que continuava do outro lado da sala, amando Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém.

No meio da sala ficava João. Praticamente o macho alfa. Bonito, alto, com as melhores notas da sala, e capitão do time de basquete da escola. Tinha uma barriga de tanquinho onde a ala feminina do colegial inteiro (é até algumas da 8ª série) queria lavar suas roupas. Era o maior dos admiradores de Teresa, e já tinha trocado flertes com ela. Mas um beijo, um beijinho só, ele nunca conseguiu. Porque na hora H, ela sempre virava o rosto e dizia que amava Raimundo. Que amava Maria. Que amava Joaquim. Que amava Lili, que não amava ninguém.

O terceiro ano acabou, e cada um foi tomando seu rumo. João acabou conseguindo uma bolsa em uma universidade americana. Foi jogar basquete, estudar engenharia, e fazer sucesso nos Estados Unidos. Dizem que se casou com uma loira magrela chamada Ashley. Típica americana. Mas alguns dizem que isso é lenda, e que ele sonha com Teresa até hoje.

Teresa, esta, que depois de tanto sofrer por Raimundo, desistiu até de fazer faculdade e foi parar num convento. Irmã Teresa, como é conhecida hoje, resolveu ser Missionária e viajar o mundo salvando criancinhas da fome. Dizem que seu preferido é um menininho de 2 anos que conheceu na França, e que por ironia do destino, se chama Raimundo. Mas alguns dizem que isso é só lenda.

Raimundo morreu de desastre. Seu carro bateu em um caminhão e capotou 2 vezes, vindo a cair em um lago de beira de estrada. Há quem diga que ele se distraiu pensando em Maria. Mas alguns dizem que é a mais pura lenda.

Maria? Esta, confesso, ficou tempo demais pensando em Joaquim, e se arrependeu foi quando descobriu que Raimundo tinha morrido. Suas 3 irmãs mais novas já estavam casadas e com filhos. Ela acabou virando a famosa Tia Maria, e dizem que sempre que visita os sobrinhos leva um picolé de uva pra cada um, pois este era o sabor preferido de Joaquim. Mas já conheci gente que falou que isso é lenda.

Joaquim? Este não resistiu ao desespero e suicidou. Foi encontrado no chão de casa, ao lado de um copo de veneno. Me contaram que ao lado do copo estava o convite de casamento de Lili (que finalmente amava alguém!) mas penso que talvez seja lenda.

Elisa Martins Fernandes, agora, ela assinava. Logo na primeira semana de faculdade teve a sorte de esbarrar com seus livros em Jonas Pinto Fernandes, 4º ano de medicina. Moço sério e bonito, moreno de olhos azuis, mal ela levantou a cabeça para encará-lo e descobriu o que era o amor. Ela vive feliz, em uma casa grande, com direito a jardim e piscina, não só com Jonas, mas também com Letícia e Arthur, o casal de gêmeos que nasceu 2 anos depois do casamento. Quando deitava sua cabeça no travesseiro de noite, sempre pensava em como amava! E isso, com certeza, não é lenda! Sorria da ironia do destino ao lembrar do passado, onde todos amavam, e ela era somente Lili, que não amava ninguém.

* Quadrilha, aquele poema de Carlos Drummond de Andrade. Agradecimentos eternos à minha pônei, Anna Vitória, que teve essa ideia antes de mim, e publicou o SEU ensaio sobre a quadrilha há algum tempo. Morri de vontade de fazer um, e ela me apoiou! <3

13 comentários:

  1. Lembrei do poema logo que comecei a ler (isso, claro, porque sou burra e não associei o título). Ficou ótimo Nalu! Mesmo.

    Beijos

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  2. Não me liguei de cara que era do poema, hihi. Ai NaLu, adoro vir aqui e ser surpreendida com temas cada vez mais diferentes. Adorei. Beijos, lindja :*

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  3. Maravilhoso Aninha!
    Parabéns, vc tem o dom ^^
    ;D

    Bia

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  4. Ana, quanta doçura!
    Mas que desgraceira ali no meio, hein? Morri de dó do Joaquim, coitado! HSUIADIASHDI
    E a Lili foi sábia de esperar a hora certa! :D

    Adorei!

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  5. Adorei demais, Aninha, você escreve tão bem e tão doce... amo muito <3
    E tô com a Gabi, morri de dó do Joaquim HAUAHUAHUA!

    Beijos, flor!

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  6. Fiquei lendo e cantarolando e agora estou com a quadrilha na cabeça.

    E lembrei também de um teatro que vi, Suspiros Poéticos, acho que já comentei contigo sobre ele. Muito lindo, igual ao seu Ensaio.


    (E fiquei feliz por Lili... Então é verdade que vale a pena esperar?)

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  7. Aaaaaaaaaaah dona Analu! Fiquei tão feliz que você também absolveu a Lili! Fico com raiva quando algum professor vai interpretar o poema e diz que ela era interesseira só por não amar ninguém.
    Eu super entendo a Lili.
    Seu texto ficou num ritmo muito bom que ainda lembra a cadência do poema, quando repetia que Lili não amava ninguém. Pareciaa quadrilha, os pares se trocando.
    Tem um documentário sobre o Drummond que chama O Poeta de Sete Faces. Eu acho ele bem rui, pra dizer a verdade, mas tem uma ceninha que representa o Quadrilha que é divertida, dá uma procurada depois.
    Amei você ter aceitado meu desafio, viu? A gente fuinciona muito bem pra pensar em post pra outra, hahaha
    Beijo <3

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  8. Caramba, o texto ficou excelente!
    A primeira vez que li o poema, não irei mentir, foi quando a Anna Vitória fez o texto dela. Vocês duas tão de parabéns, dois textos muito bem construídos!

    Beijos

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  9. Sem palavras, ficou MUITO bom amiga! AMEEI DEMAIS!! E esse Jonas deve ser lindo, pelo menos na minha imaginação! Que venham muitos Jonas em nossas vidas!!
    Te amoo!! Beijos

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  10. Finalmente consegui te mimar, Nalu!
    Ficou tão divertido. Adoro esse poema, me lembra minhas aulas de Português. Beijos, flor.

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  11. AGORA SIM, UFA...

    Também não me liguei de cara que o poema era esse, até porque poesia não é muito minha praia... mas esse não tem como não conhecer.
    ADOREI o jogo que você fez. E sabe, sempre mistura quem ama quem, no final das contas acabo achando que todo mundo amava todo mundo, exceto Lili, que acabou amando alguém.
    Beiiiijo, Nalu (:

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  12. primeiro achei que essa era sua turma de terceiro ano, confesso que algumas pessoas eram bem parecidas... rs

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  13. Ai que lindo! Chorei aqui.
    Adoro esse poema e nunca tinha parado pra pensar na história de cada um dos personagens e você o fez com uma destreza impecável. Lindo! Lindo! Lindo! Parabéns!
    Sempre gostei dos seus textos, mas parece que esse ano eles estão ainda melhores, o que me faz ter vontade de ser dona de uma revista chamada "As Mafiosas" com contos seus, da Anninha e de todas as outras que se dignarem a isso. Quem dera eu ter tamanha criatividade...
    Beijinhos!

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