terça-feira, 28 de julho de 2015

A Maldição da Pia

Eu não faço a menor ideia do que esse texto vai virar, mas vim cumprir ordens. É que, como comentei dia desses no twitter, recentemente minha família descobriu que eu escrevo. Não que eles já não desconfiassem – come on, eu nunca fui uma criança muito normal, eu era a pentelha que ficava pedindo tema de redação para os outros – mas agora eles oficializaram a descoberta. Agora eles leem meu blog, compartilham textos, carregam pro meu mural, debatem no almoço de domingo quando eu nem estou. Agora eles me encomendam textos.

Esse daqui, por exemplo, foi um pedido da tia Luciene (beijo, tia!) que escolheu o título e tudo e já me cobrou umas três vezes. “A Maldição da Pia”, isso mesmo, quem tem família grande vai me entender rapidinho. Imaginem um almoço de domingo. Imaginem a barulheira, as conversas, a falta de lugar pra todo mundo na mesa. Imaginem gente comendo no sofá, gente comendo na varanda, gente comendo em várias etapas. Imaginem a panela do bife que nunca consegue sair do fogão porque sempre tem mais um a ser fritado. Imaginaram? Agora imaginem o que não vira a PIA DE LOUÇA que resulta de cada aventura dessas.

Sempre tem alguém que tenta o “CADA UM LAVA O SEU, TÁ PESSOAL?”, mas em 23 anos eu nunca vi funcionar. Pra começo de conversa, a maioria dos homens tem certeza absoluta que isso não diz respeito a eles e nem cogita esfregar seu próprio copo. Para não ser injusta, já vi alguns deles quietinho, no silêncio, dar conta da louça da janta vez ou outra – mas no almoço eles não se metem. Entendido que nunca funciona a história de cada um lavar o seu? Prossigamos. É aí que a brincadeira começa.

Porque você saiu correndo quando a vovó gritou que estava na mesa e acabou fazendo parte do time que almoçou cedinho. Você leva seu prato até a pia, olha bem pra ela, vê que tem 5 conjuntos de pratos, copos e talheres ali dentro. Você olha em volta, olha pra pia de novo, respira fundo e pensa que, ah, é melhor lavar aquilo ali logo, porque VAI QUE alguém te vê ali cumprindo uma parte da tarefa e anota teu nome no caderninho, né? Vai que você ganha logo uns pontos no céu por lavar aqueles 5 pratos ali e quando o resto todo do pessoal estiver almoçado a tarefa vai ser dividida entre os outros que ainda não fizeram a parte deles? Vai que, né? Só que não. Só que nunca. E é aí que a maldição da pia acontece.

Porque quando você encosta a barriga lá, de fato, você jura que só tinha 5 pratos. Mas se Jesus realizou o milagre da multiplicação com os peixes, juro, vocês não fazem ideia do que minha família é capaz de fazer com a LOUÇA. Porque quanto mais você lava os pratos, mais pratos aparecem. Pratos de pessoas que chegam com sorrisinhos caras-de-pau e vão, sutilmente, empurrando a louça suja deles ali para a pia, afinal de contas, já que você está lavando 5, porque não 6, 7, 8? E aí você lava. Lava. Lava. Lava. Enche um escorredor, enche dois, enche três, e quando você termina, descobre que todo mundo já saiu da mesa e que você acabou lavando a louça do almoço inteiro. A maldição da pia na casa da minha avó é a seguinte: encostou a barriga por ali, só consegue sair quando tudo estiver lavado – e esse tudo é quase um infinito.


Se alguém acha que acabou está enganado: a loucura do almoço demora tanto tempo para acontecer integralmente que quando o último prato do último ser humano a comer acaba de ser lavado, podem acreditar em mim, já está na hora de colocar a mesa do café, porque o primeiro que almoçou certamente já está com fome de novo.

Na casa da minha avó SEMPRE tem louça na pia. Sempre tem comida na mesa. Sempre tem café passado. Sempre tem sacos de pão, arroz na panela, potes de manteiga, bife fritando, torta no forno e... louça suja. Louça suja na mesa, louça suja na sala, louça suja na pia, louça suja. Louça suja esperando o próximo santo (ou espertinho) que vai resolver lavar a sua própria bagunça e não conseguir sair dali nunca mais – pelo menos até o horário da próxima refeição. E se vocês acham que isso é enfadonho vocês entenderam tudo errado. Não é, gente. Eu juro.

Já lavei alguns tipos diferentes de louça na minha vida e o que eu posso dizer sobre isso é: enfadonho de verdade é lavar, em silêncio, seu próprio copo, seu próprio prato, seus próprios talheres, acabar em cinco minutos e voltar a assistir televisão. Enfadonho é lavar sozinha a louça que você sujou sozinha comendo sozinha. Lavar quinze pratos com família conversando em volta, alguém enxaguando, alguém secando, alguém tirando do escorredor, alguém pedindo mais um ovo frito – isso é privilégio, não enfado.

Enquanto a mesa estiver barulhenta, enquanto a pia estiver cheia, enquanto eu estiver resmungando porque sobrou pra mim: aí eu sempre estarei lembrando da sorte grande que eu tive de nascer na família que eu nasci. Que Deus nos livre da casa vazia, da mesa vazia, da pia vazia – isso sim é um problema sério.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

De boas intenções o inferno está cheio (?)

Esses dias essa frase me veio na cabeça assim, aleatoriamente. Eu pensei rapidamente sobre, talvez, não concordar com ela. Mas desisti do pano pra manga e mudei de pensamento. Agora ela me veio na cabeça outra vez.

Tudo porque eu estava lembrando de um livro que terminei de ler recentemente. “Azul da cor do Mar”, da Marina Carvalho. Nunca tinha ouvido falar da autora e confesso não ser uma exímia conhecedora da literatura contemporânea brasileira. Me fale de literatura brasileira e eu só vou saber citar nomes das antigas e um ou outro mais recente que acabou virando hype, tipo o Antônio Prata, a Paula Pimenta ou a Martha Medeiros. Mas li infinitamente mais livros gringos e tenho mais preguiça de arriscar em títulos duvidosos quando eles são daqui. Preconceito idiota. Enfim.

Ganhei esse “Azul da Cor do Mar” em fevereiro do ano passado, de uma grande amiga minha. Eu estava me formando em jornalismo e ela teve todo um cuidado de pesquisar para me dar de presente um livro que fosse protagonizado por uma jornalista. Fala sério, vai. Sabendo que eu gosto de ler, ela podia ter entrado na livraria e pegado o primeiro best seller que pulou na sua frente, para não ter trabalho. Mas não, ela foi carinhosa o suficiente para arriscar em um livro desconhecido e pouquíssimo cotado só porque a protagonista era uma jornalista e ela achou que esse seria um presente incrível de formatura.

E foi. Toda vez que penso nessa história eu me emociono pensando em como as pessoas sabem ser lindas. Mesmo assim, deixei o livro de escanteio, empilhado na fila de “não lidos” e passando tudo que eu comprava na frente dele. Nem entendi direito o que tinha me dado na telha quando, esse mês, finalmente resolvi pegar o coitado ali e dar conta de descobrir o que ele tinha pra mim.

Acabou que minhas previsões preconceituosas estavam corretas: o livro é bobo; imaturo. Não consigo pensar em outras palavras para descrevê-lo senão essas. Personagens completamente surreais, histórias de amor que nascem do nada, supostos adultos que agem todos como adolescentes, a utopia do mercado de trabalho onde a estagiária chega abalando e no seu primeiro dia de trabalho escreve uma matéria que supera a do jornalista estrela da redação e é publicada na primeira página... deu pra entender, né? Se ainda não deu, eu conto um spoiler: a protagonista estava na mira do revólver de um traficante, tendo sido feita refém e, ignorando toda a negociação da polícia, believem-me, o cara só resolveu soltá-la quando ela implorou pra não morrer virgem. Ou, respeitando as palavras da autora, quando ela disse que não poderia morrer sem nunca ter tido uma noite de amor, se é que ele entendia. Gente.

Cheguei num nível da leitura que eu devorava o livro e dava risada com a quantidade de clichês, falta de profundidades, diálogos ridículos e declarações de amor baratas. Até com o nome dos personagens eu já estava me irritando: as melhores amigas da protagonista se chamam Alice e Sofia e eu quero ver alguém da década de 90 ter duas melhores amigas com esses nomes. Na época existiam Marianas, Fernandas e Jéssicas, Marina. Não Alices e Sofias assim, a rodo. É por isso que insisto na falta de maturidade para descrever o que senti lendo a história. Se tivesse sido escrita por uma menina de 14 anos eu ia botar bastante fé. Meninas de 14 anos talvez acreditem em toda essa mentira-cor-de-rosa que Marina tentou me fazer engolir. Enfim.

A intenção dela com certeza foi boa. Ela quis lançar um livro, tinha essa história na manga, mandou pra editora que achou a ideia o máximo, fez o favor de casá-la com uma capa tão brega quanto e voi lá, o livro foi para as prateleiras e acabou na minha mão, por mais uma grande dose de boa intenção da minha amiga que, tudo o que queria, era encontrar uma obra com protagonista jornalista e conseguiu.

Porque que eu disse tudo isso? Sei lá. Pra dizer que talvez eu não concorde mesmo com essa história de que de boas intenções o inferno está cheio. Porque, sei lá, às vezes tudo o que a gente quer ver nas pessoas é que a intenção delas era boa. Se o bolo solou, se o presente foi repetido, se o livro era ruim... é realmente, sempre, o resultado final que importa? Acho que não, de verdade. As pessoas tem essa cisma meio inconsequente de só se importar com os finais das histórias. Todo mundo quer um final feliz, a qualquer custo. Mas o meio, gente, o meio. O meio é o caminho. O final só acontece no final, o meio dura muito mais tempo e talvez seja muito mais importante. Nem só de resultados totalmente positivos são construídas as histórias felizes. O livro era bizarro – e foi um dos presentes mais lindos que já ganhei de uma amiga na vida. A boa intenção vale sim. Talvez, em determinados casos, ela seja o que mais vale. 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

O que eu sonhei para o meu avô

Eu sonhei que, depois de tantos anos de vida tão intensamente vividos, um dia ele colocaria a cabecinha no travesseiro, depois de dar boa noite pra todo mundo, e não acordaria mais. Assim, como um sopro. Um incomodozinho no peito no meio da madrugada e ele fecharia os olhos ainda antes de conseguir acordar minha avó para reclamar. Foi isso o que eu sonhei pra ele.

Só que, se tem uma coisa que eu aprendi na vida, é que tem sonhos que são mais importantes que os meus. Eu queria que vovô, um dia, depois dos 100 anos, morresse daquele jeito ali descrito. Infelizmente não foi assim. E por mais eu que eu quisesse, e talvez, até ele, entendi que meu sonho era o menos importante para o momento.

Meu avô descansou domingo passado, aos 92 anos e meio, após eternos 45 dias dentro de um hospital. Nesses 45 dias, que nunca imaginamos ter que passar, aconteceu de tudo um pouco. Idas, vindas, esperanças e desesperos. Foram esses 45 dias que não queríamos viver que, com certeza, fizeram meu avô ter convicção de que foi muito amado, de que sua família nunca o abandonaria. Foram esses 45 dias, também, que possivelmente salvaram a vida da minha avó.

Em 45 dias todos os 14 filhos do meu avô fizeram escala no hospital. Cada dia era uma dupla. Todo mundo se despediu, beijou a testa dele, disse que amava e que estaria ali para ele. Alguns netos tiveram a chance de fazer o mesmo, também. Eu não – mas eu dizia tudo isso para ele por telepatia todos os dias, e consegui dizer, um dia, pelo Skype. Obrigada, tecnologia.

Esses 45 dias começaram com minha avó dizendo que se ele morresse ela morreria junto. Em 45 dias ela teve tempo de se desesperar, de fazer birra, de dizer que ia junto, de se voltar contra o mundo, e de começar a encontrar – e acreditar – num caminho que fosse possível de ser traçado sem o meu avô. Não é fácil, foram quase 60 anos de casamento. Se eu não consigo nem imaginar o que são 60 anos de vida, imagina 60 anos ao lado da mesma pessoa, compartilhando tudo. Não é como arrancar um bandaid. Talvez, inclusive, seja mais fácil colocar fé na vida sem um braço do que sem essa pessoa, mas esse tempo serviu para ela entender que talvez desse.

Dói. Dói pra todo mundo. Dói para os filhos, dói para os netos, para os bisnetos, dói. Mas eu topava sentir o dobro da dor se pudesse tirar com a mão a dor da minha avó. Não dói para ninguém como dói para ela. Mas esses 45 dias com os quais eu nunca sonhei foram muito importantes. Ela teve tempo de assimilar a ideia antes que ele apagasse de repente e ela preferisse ir junto. A tristeza, acredito, infelizmente nunca mais vai embora. Por mais que ela ria conosco, que nos abrace, que brinque, tem horas que fica quietinha olhando para o vazio e aí a gente sabe. A presença da ausência latente do amor da sua vida nunca vai sair dali. Faz parte.

Eu sonhei para o meu avô que um dia, com mais de 100 anos, ele fechasse o olhinho e fosse embora. Ele se foi pelo menos 7 anos e meio antes, depois de dias terríveis. E nós todos, com certeza, queríamos ter tido mais tempo. A gente sempre quer mais tempo. Mas tinha que ser assim e mesmo no meio da dor deu para entender a lição. A lição e a poesia. Tem sonhos que são realmente mais importantes que os nossos. E os planos do universo, então, são maiores ainda. Só tem uma coisa que é maior que tudo isso: a saudade.

Então perdoa a gente, vô. Perdoa quando a gente chorar ao invés de sorrir. Perdoa quando estiver difícil demais. Perdoa a vovó se ela perder o prumo vez ou outra e falar umas bobagens. É que viver com saudade é difícil demais, às vezes. Mas vai ficar tudo bem. Olha pra gente daí. Olha pra família mais linda do mundo que você construiu. E sorria. Sorria até quando a gente chorar – porque quando a gente chorar é amor também. E amor é tudo o que importa. 

sábado, 4 de julho de 2015

A arte de tapar o sol com a peneira

Estava esses dias batendo um papo rápido com uma conhecida que acabou de voltar da Suécia. Ela estava contando que tudo lá é super certinho. Com os cachorros, por exemplo. São tratados praticamente como seres humanos e muito socialmente aceitos. Agora, se seu poodle rabugento arruma encrenca com o Yorkshire da vizinha e acaba mordendo o coitado, tendo grandes consequências ou não, ele será sacrificado. Porque é assim que a banda toca: cheia de regras, a torto e a direito. Ah, se você sair para trabalhar e o cachorro ficar mais de 6h sozinho, você paga multa e pode até perder a “custódia” do bicho, ela contou, suspirando e comentando: confesso que a gente fica meio em cima do muro ao reparar tudo isso; é bacana ver uma cidade organizada, onde as coisas acontecem da forma certa e coisa e tal, mas dá um pouco de saudade do jeitinho brasileiro.

Meio que concordo. É legal quando as coisas dão super certo, mas não acho que engessar tudo dessa maneira seja sempre a melhor das soluções – e olha que ela só falou dos cachorros; falar de tudo certamente daria muitos metros de pano pra manga. O problema é que parece que só existe o 8 e o 80. Galera esquece das milhões de possibilidades mais equilibradas que existem no meio do caminho. Quem sabe um 38 não cairia melhor?

O jeitinho brasileiro pode ser bom às vezes. Minha cachorrinha, por exemplo, já saiu na porrada com a irmã dela, que levou uma patada no olho e acabou bem machucada. No resto de todos os seus milhões de dias ela seguiu (e segue) se comportando como o anjinho peludo que sempre foi. Fosse na Suécia e ela não estaria mais aqui por causa de um momento de desentendimento e uma dose de azar. Mas prometo que essa foi a última vez que falei de cachorros nesse post.

Esse post, na verdade, é para dizer que o jeitinho brasileiro também cansa, e cansa muito. Cansa demais quando a gente para para analisar e percebe que praticamente tudo é feito dessa maneira. Aquela velha arte de tapar o sol com a peneira – e achar que está arrasando; a habilidade, aparentemente intrínseca na sociedade brasileira, de não resolver os problemas ou, pior ainda, achar que está resolvendo ao puxar um gato e fazer tudo pela metade, da pior maneira possível.

A essa altura vocês já sabem do que estou falando (a menos que tenham passado os últimos dias passeando em Marte). Muita gente por aí sabe falar do assunto muito melhor do que eu, inclusive. Neste blog você pode encontrar muito material. Mesmo assim eu resolvi deixar registrado por aqui também a minha indignação. Porque a gente cansa. A gente cansa de ver um país que não dá certo e segue cavando sua própria cova e fazendo todo mundo de idiota ao fingir que está consertando erros ao criar outros ainda maiores.

Amigos, repitam comigo: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NÃO É SOLUÇÃO. Nunca foi. Nunca será. Prisão não é educação. Colocar atrás das grades um garoto de 16 anos que fez bobagem porque cresceu sem estrutura nenhuma em meio a um sistema completamente deturpado não vai nos trazer um país melhor – vai tapar o sol com a peneira MAIS UMA VEZ. Daqui há 30 anos, quando tudo continuar dando errado, vai surgir algum gênio da lâmpada pra dizer que então talvez seja uma boa ideia reduzir para 14, e aí alguém vai gritar ISSO AÍ, AGORA VAI! E dali a mais 30 anos, reduz-se para 12. Quem sabe em 150 anos estaremos prendendo crianças de 5 anos – e tudo vai continuar dando muito errado. 


Não é AGORA que vai. Não vai ser enquanto não começarem a tomar medidas que melhorem as condições das pessoas e as chances que elas têm na vida. O dia em que nossos jovens não crescerem em meio ao crime; o dia em que eles tiverem toda a assistência e proteção necessária que deveria ser assegurada pelo estado e sabemos muito bem que não é; o dia em que desfrutarem das reais oportunidades que todos deveriam receber ao nascer e ainda assim saírem fazendo merda por aí, aí quem sabe poderemos sentar e começar a conversar sobre redução de alguma coisa. Enquanto isso, prefiro que Eduardo Cunha e todos os seus parceiros de crime gastem seus cérebros tentando reduzir coisas como a vontade da minha avó de colocar passas no salpicão todo fim de ano, ou mesmo o tamanho do nosso papel de trouxa enquanto brasileiros.

O jeitinho brasileiro já teve seu charme, mas usado em excesso vira piada absoluta – se desse, aliás, para fazer piada com algo tão trágico. Já deu o que tinha que dar a muito tempo, gente. O sol passa por todos os buraquinhos da peneira e todo mundo acaba torrado. E pra você que ainda acredita que a redução é uma boa ideia, juro, tenta pensar um pouco fora dessa casinha de quem tem protetor solar pra passar e não precisa nem da peneira. Dá raiva ter o celular roubado por um moleque? Óbvio que dá. Pausa para vocês darem uma lidinha nesse texto do Gregório aqui. Despausa. Dá medo sair na rua a noite e ser morto a facadas? É ÓBVIO que dá. Dá medo e muito. Mas a culpa é do sistema, não dos jovens inconsequentes envolvidos. Tacar todo mundo na cadeia não vai educar ninguém e você vai continuar tendo que comprar protetor 50 e passando raiva, e reclamando mais, e vai ser um ciclo sem fim. Quer mais um indício de que prender adolescentes não resolve nada? Os 54 países que reduziram a maioridade penal não registraram redução da violência. A Alemanha e a Espanha, inclusive, voltaram atrás na decisão.

Como já dizia Saramago, olho por olho e o mundo vai acabar cego. Não é cortando o braço que a gente cura uma dor no dedo. É indo atrás de remédios realmente efetivos. Fica o TEXTÃO™.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

- Você faz novos amigos!

Foi com leveza, simplicidade e um enorme tom de condescendência que PAI, Meu me soltou duas vezes na vida a frase que intitula esse texto. Das duas vezes ele estava me colocando na bagagem ao mudar de cidade. Se eu estivesse no olho dessa situação, como foi há 15 e 5 anos, diria que fui carregada como um dos móveis. Não deixa de ser, não é como se eu tivesse tido escolha. Mas a raiva e a tristeza do momento acabam passando e a gente volta a si e aceita minimamente que os pais fazem conosco o que dá pra fazer. Com 7 e 17 anos não existia a opção deles me deixarem para trás, por mais que doesse. O problema nunca foi esse. O problema era a sua insistente mania de minimizar o que era importante no meu mundo.

"Você faz novos amigos". A frase ecoa na minha cabeça. Gostaria de saber quem foi que decidiu que amigos eram descartáveis. Feito móveis. Feito livros. Você lê um, curte um bocado, põe na estante de volta e vida que segue. Rio pensando: se até dos livros eu demoro a me desapegar, imagina das pessoas.

Essa história de que nenhuma pessoa é insubstituível pode ser confortadora em muitos casos, mas bater na tecla de que tudo bem precisar perdê-las porque existem novas para você conhecer me parece um descaso absurdo. E os laços? E os abraços? E as histórias? Calma aí, cara, não é só trocar por novos.

Acho que o sonho do meu pai, quando eu era mais nova, era me fazer entender que amigos eram sempre passageiros, que não tinham tanta importância assim. "Sério que você tá chorando desesperada desse jeito por deixar os amiguinhos para trás?", ele perguntava. E prosseguia: "Você pensa demais com a emoção, tem que pensar com a cabeça" (?). 

Pai, desculpa, eu dei errado na vida. Dei errado na vida porque dou risadas contidas ao pensar nos seus conselhos. Dei errado na vida porque acho tão mais bonito e mais acertado pensar com o coração que ainda tatuarei cuor agire em algum lugar do corpo. Para não esquecer nunca do que é importante, sabe?

Sem mágoas - são apenas as minhas conclusões. Só estava lendo Nós, do David Nicholls, ontem, na cama, e de repente ele me soltou um trecho que resume tudo o que eu sempre confabulei a respeito dessa história de dar valor aos amigos. A sociedade num geral dá pouca importância a isso com essa história de "é só fazer novos". É como se a família ficasse em um patamar inalcançável, porque não se faz família nova. Trabalho também a gente tem que levar super a sério, porque é o sustento, Amigos são amigos; devem ser tratados como  amigos. , como se eles fossem pouca coisa; como se fossem coadjuvantes facilmente substituídos, e não, não tem que ser assim.

Já tive que substituir meus melhores amigos da vida algumas vezes nessa vida, em duas delas de forma compulsória e ó, vi o mundo acabar. Tudo bem, após algumas tantas manhãs seguintes, acaba ficando tudo bem, afinal de contas. Mas entre o mundo acabar e a manhã voltar a ficar boa demora um bom bocado de dias que eu pretendo não ter que experienciar de novo. Talvez eu tenha aprendido tão bem a lição, inclusive, que ao invés de permitir que a uma distância imposta acabe me afastando naturalmente dos amigos feitos com a proximidade, resolvi subir uma fase na dificuldade inicial e acabei fazendo amigas JÁ a distância. Se a distância não foi capaz de atrapalhar, nada no mundo será.


Meus amigos não são substituíveis.
Meus amigos não são SÓ amigos.
Deêm uma olhada nesse abraço e vocês vão entender porque.