terça-feira, 19 de agosto de 2014

Todas as histórias são sobre nós

Roubei descaradamente esse título (belíssimo, aliás) que minha amiga Milena usou certa vez, em um texto que relacionava a ficção com a vida real e de como isso acontece nas nossas mentes. Leiam lá, é bem interessante! O meu viés para ele (o título) é um pouco diferente.

Quando resolvi brincar desse projeto aqui e comecei a parir o primeiro texto, esse título da Mimi me veio na cabeça durante todo o tempo em que eu escrevia. Enquanto concebia o segundo, lá vinha o mesmo pensamento. Tudo por quê? Porque a ideia era falar sobre as pessoas, e eu absolutamente não consegui fazer isso sem deixar bem claro todo o contexto possível: fui falar do livreiro e contei que eu e minha amiga estávamos de férias, passeando pelo shopping e que, inclusive, no dia anterior a livraria estava fechada para balanço. Ao falar da manicure, narrei todo o meu histórico manicuresco anterior, que nada tinha a ver com a moça em si. Antes de falar dos personagens, não me convite em falar da história que me levava até eles, história essa que nada teria a ver com suas questões.

Fiquei meio mal-humorada e descontente comigo mesma enquanto escrevia. Pensava: “Mas será possível que não consigo me ater a uma proposta e conseguir fazer o troço direito, falando sobre as pessoas e pronto?”. Não, concluí. Não tem como. Todas as histórias que eu quiser contar, por mais que sejam sobre outras pessoas, serão sobre mim. Porque todas as histórias que vivemos no mundo são sobre nós.

O ser humano é egocêntrico por inerência e, neste caso, não uso de forma alguma a palavra egocêntrico como um defeito. Uso pura e simplesmente como forma de explicação. Somos egocêntricos e ponto final. Qualquer coisa que pensemos sobre algo o alguém vem carregada de nossa visão de mundo. Estivéssemos nós vivendo em qualquer outro contexto e pensaríamos de outra forma, reagiríamos de outra maneira, nos relacionaríamos com os outros trazendo outra bagagem. Todas as histórias são sobre nós.

Para fazer um paralelo, cito ainda (e mais uma vez) a célebre frase de Sartre: o inferno sempre são os outros. Tudo isso porque certamente gostaríamos que tudo girasse ao nosso redor. Porque gira. Não o mundo todo, mas o nosso mundo gira sempre em torno de nós e da reação que temos diante dele e só o que queríamos de todas as outras pessoas era que elas fizessem o mesmo: girassem suas vidas em torno da nossa.

Quando penso nisso, lembro automaticamente da Rachel, de Friends, quando os pais dela resolveram se separar. Ela, indignada com essa dor de cabeça na altura da vida em que se encontra, diz que os pais deviam se contentar em serem pais, e não insistir em ter vida própria que, ainda por cima, interferisse na dela. Acho essa passagem absolutamente genial. Que atire a primeira pedra quem nunca desejou que as pessoas não tivessem suas próprias questões e, então, vivessem somente para cumprir o papel que possuem na sua história, de forma que nada mais te interferisse negativamente. Talvez fosse o fim do ciúme, das preocupações externas, dos perrengues, das confusões. Não fossem os outros podendo tomar decisões sozinhos por aí, poderíamos mandar em tudo o que dissesse respeito ao nosso universo, e assim tudo giraria absolutamente em torno de nós.

Todas as histórias são sobre nós, mas não são, porque todo mundo pode enfiar sua própria vida para meter o bedelho na sua e mudar qualquer sentido e qualquer destino, o tempo todo. Acho que essas duas verdades tão universais e tão contraditórias são o grande paradoxo da vida: nascemos precisando aprender e, muito provavelmente, morremos na mesma condição.

6 comentários:

  1. Me lembrou Anais Nin: "we do not see things as they are, we see things as we are"

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  2. Não conseguimos ser "neutrôs" em nenhum tipo de arte nós nos entregamos... não tem jeito. Nas ultimas postagens (BC e a própria carta...) foram de algum momento que aconteceu comigo... não consegui me desvincular em nenhum momento.

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  3. Assunto complexo, amiga. É uma grande verdade que tudo e todos passam pelo nosso filtro próprio e a gente nunca vê nada como realmente é. Mas sabe, acho que podemos melhorar nisso. Quando tínhamos 13 anos, por exemplo, era muito mais natural achar que o mundo girava ao nosso redor e que os outros eram coadjuvantes da nossa história. Mas o tempo passa e a gente aprende, né? Aprende a pelo menos tentar observar mais. Acho que a observação é o que eu mais procuro, pelo menos. Estar presente e ver a história dos outros acontecer pra tentar ser testemunha e perder minha crença de que o meu drama é importante.
    Amo esse tipo de texto, você sabe.
    Beijo <3

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  4. Muito bom o texto. Super psicanalítico. Bj

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  5. Engraçado que eu já li esse post várias vezes, amei ele tem todas, mas não consigo colocar minhas ideias em palavras pra conseguir comentar alguma coisa que preste. Me pego muito pensando sobre isso, que eu oriento o mundo de acordo comigo mesma, principalmente na hora de escrever. São quase sete anos de blog,mais de 500 textos publicados, e em todos eles só tem eu eu eu eu. Umas outras coisitas mais também, mas no fundo só eu. E às vezes eu me sinto mal com tudo isso, porque a ideia de ser egocêntrica e definir as coisas a partir de mim me parece um bocado ridícula, mas ao mesmo tempo sinto que é muito parte da nossa natureza, e que é simplesmente algo com que a gente tem que aprender a conviver. E reconhecer, e dosar de vez em quando. Acho que já é um começo.
    Sobre a reflexão ~sartreana~ + Friends: achei genial.

    Eu e Daveninha pagamos pau pra você <3
    te amo!

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  6. Adorei o post e sua citação da Rachel do Friends.
    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com.br/

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