quinta-feira, 18 de julho de 2013

Quase amor

O Café Paris não era lá tão diferente dos outros cafés pitorescamente perdidos na cidade de São Paulo. Um toldo verde claro e canteiros de amor-perfeito protegiam as quatro mesas externas do mau-tempo e dos transeuntes por ventura mais afobados. Além disso, na lateral esquerda, bem perto da porta, ficava sempre o pequeno quadro-negro, apoiado em um cavalete, que, ao contrário dos costumeiros resumos de cardápio, exibia sempre uma citação nova. Guilherme, o dono, sempre teve certeza de que comida todo mundo sabia que iria encontrar lá dentro. Poesia é que devia ser o diferencial do mundo.

E foi lá que Lilly resolveu entrar naquele dia, quando viu que a fila do Starbucks do outro lado da rua estava grande demais pro pouco tempo que tinha. Lilly nunca tinha tempo. E resolveu que podia abrir mão de seu Frappuccino de Doce de Leite naquele dia e tomar algo mais despretensioso, mas que fizesse com que ela chegasse mais rápido ao trabalho. Entrou direto e pediu um cappuccino no copinho de plástico. Guilherme sorriu ironicamente ao perceber a pressa da menina. Disse que seus cafés costumavam ser artesanais, e que a melhor parte deles era se sentar e tomar com calma, curtindo o ambiente. Ela sorriu de volta e disse que em plena quarta-feira aquilo seria um luxo impensável. Como o freguês deveria ter sempre razão, entregou o cappuccino da moça em um copo plástico e desafiou que ela voltasse no dia que tivesse tempo. "Guilherme", ele disse enquanto ela andava apressada porta a fora. Parou, olhou de volta, sorriu: "Lilly". E se mandou sem ficar pra escutar ele dizer "Lindo nome. Significa Lírio". 

Seria bom se tivesse escutado. Lilly sempre se irritava com seu nome. Tudo bem que seus pais gostassem de lírios, mas soletrar os tais "dois eles e ípsilon" toda vez que alguém precisasse escrevê-lo não era nada prático. Isso quando não insistiam em chamá-la de "Lilí". Nada contra as Lilís do mundo, mas seu nome se pronunciava "Líli". E, puxa, certamente devia ser mais fácil se chamar Mariana. Ou Melissa, já que seus pais gostavam tanto de flor. Enfim. Ela devia ter escutado que Guilherme achou seu nome lindo. Era sempre bom.

E não que ela tivesse aceitado algum desafio, mas na sexta-feira da semana seguinte eu horário começava 1h mais tarde e, na correria de sempre, ela só lembrou desse detalhe depois que já tinha saído de casa. A fila do Starbucks estava gigante de novo, e então resolveu dar uma chance à tal "poesia" dos cafés de Guilherme.

Não soube direito dizer se o que a encantou foi a abelhinha desenhada com canela em cima do chantily de seu café. Ou se foi foi o vaso de amor-perfeito, no qual ela finalmente resolveu reparar. Se foi o fato de ter sempre uma citação escrita no quadrinho, ou o fato deles insistirem em chamar "cupcakes" de mini-bolinhos. Ou mesmo se foi o sorriso de Guilherme. Mas começou a sair sempre 1h mais cedo do que deveria, pra ter tempo de tomar poesia em seu café da manhã. E assim ela foi aprendendo o que era ter tempo. "o bom filho à casa torna", dizia o quadro-negro na terceira vez que Lilly apareceu. Um dia depois do dia em que ela chegou chorando, o quadro dizia "sorria. o mundo não merece suas lágrimas". E assim a vida se seguia.

Ela corria, Guilherme sorria. Os desenhos feitos com a canela ficavam cada vez mais produzidos. As mensagens no quadro cada vez mais diretas, e mesmo assim, ela tinha medo. Encarava aqueles olhos castanhos que estavam sempre sorrindo atrás do balcão mas não tinha coragem. Nem o dia em que ele escreveu "vamos?" ela teve segurança o suficiente pra responder "pra onde você quiser". Ele, tampouco, teve coragem de olhar pra ela e falar o que tantas vezes já tinha escrito.

3 meses depois descobriu porque que a menina tanto chorava. Iria embora. Tinha recebido uma proposta praticamente irrecusável de promoção no trabalho, mas tinha que se mudar para o Canadá. E tudo o que seu coração queria era que alguém desse um real motivo para ela recusar. Não recusou. Contou pra ele em seu penúltimo dia. No último, passou lá pela manhã e estava escrito no quadro "te amo". Mas o motivo que ela queria tinha chegado tarde demais.

Embarcou no dia seguinte e não saiu do avião como a Rachel, em Friends. Mas teve vontade de um telefona que fizesse ela largar tudo. No caso dela tinha sido uma mensagem em um quadro, mas ela cismou em não acreditar totalmente. Ele nunca ligou. Ela nunca saiu do avião. E 10 anos depois... bem, os dois se resolveram. Sozinhos e com outras pessoas. Ela casou com um médico canadense, que conheceu no dia em que teve uma úlcera de tanto tomar café. Ele não sabia que Lilly significava Lírio, mas tudo bem também. No dia em que ele mandou a primeira mensagem no celular dela dizendo "te amo", ela lembrou do "te amo" do quadro-negro. E imaginou quantas vezes Guilherme já não teria escrito aquilo para as outras. Quem sabe pra uma que realmente tivesse coragem de acreditar.

Guilherme, por sua vez, se casou também. Com outra moça que vivia enfiada em seu café, e que um dia se levantou de sua mesa, escreveu "te amo" no quadro e entregou pra ele, dentro do balcão. Ele sorriu. Chamou ela pra um cinema e dividiram a pipoca doce. Mas colocou o quadro no lugar pensando que nunca mais escreveria "te amo" ali para ninguém.

Os amores, às vezes, não são eternos. A consumação do amor faz com que ele se torne real, e por isso, tenha a chance de acabar. Mas os "quase amores", ah, esses são pra sempre. Não têm como morrer. Então apenas nascem. Em cafés, desenhos de canela, vasos de amores-perfeitos ou quadro negros. No fim das contas um "te amo" escrito a giz pode ser muito menos efêmero do que qualquer um possa pensar.

14 comentários:

  1. Ana Luísa, a tela do notebook está há uma hora aberta aqui no seu blog sem que eu consiga escrever algo digno deste conto.
    Menina, que vontade me deu de me sentar neste Bistrô e acompanhar de perto essa história, e sentir o cheiro do café e ouvir a poesia pairando no ar...

    E Lilly? Muito BFF de Princesa. hahahaha

    Amei, achei lindo, singelo e me tocou profundamente, porque o amor e o quase amor são realmente diferentes, ambos especiais a sua maneira.

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  2. Não sei nem o que dizer desse conto, simplesmente A-M-E-I, prendeu totalmente minha atenção :)
    bjus ;*

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  3. Que coisa linda, delicada e querida, amiga! Tava com saudade de ler continhos de amor, o seu aqueceu meu coração. <3

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  4. Amo ler contos, amo o blog da Analu e juntando os dois juntos, não pode faltar meu comentário aqui dizendo que AMEI demais esse conto. Tanto que eu nasci em São Paulo e na esquina de onde eu morava tinha um Café Paris, coincidência? Ou seja, eu senti o conto tão bem....
    Amei, amei, amei... Beijos.

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  5. Fofo! Eu, apressada, imaginei um outro desencontro pro seu conto, que ele estivesse de folga no dia que ela resolveu ir lá hehehe. Ai gente, esse conto aqueceu mesmo o coração e me faz pensar que, poxa, no café que eu vou só tem atendentes mulheres!!! hahaha Preciso mudar de ares!

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  6. Agora, faz ainda mais significado o q escreve. Qd for à Ctba, farei questao de te encontrar, sera uma honra pra mim.

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  7. Sem palavras pra descrever o quanto eu adorei! Cara, como você escreve bem! Você vai longe, garota!

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  8. Que conto lindo! Adoro o nome "Lilly" e o último parágrafo do texto é de uma inteligência tão imensurável que só posso dizer que amei!
    Abraços!

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  9. E eu aqui, torcendo por Guilherme e Lilly juntos no final! A romântica em mim sempre vai clamar por esses finais, mas o seu final, tão realista, me fez acordar um instante. Texto lindo e delicado, um amor. (:

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  10. Ai por que eu demorei para ler uma coisa tão linda dessas?
    Meu amor de Analu, tu arrasou! Me tocou muito esse conto. Esses quase amores. Eu morro de medo de ter deixado passar um, mesmo que agora eu tenha um amor...
    Eu amei Guilherme. Quero casar com ele, pode? Hahahaha
    Escreve mais contos!!
    Juro que no próximo eu mimo rapidamente.
    Te amo! <3

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  11. Quase-amor é pra sempre, taí uma verdade. Arrasou no texto, amiga. Me identifiquei mais com a Lilly do que seria aceitável =/

    Te amo!

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  12. Os "quase amores" são mais frequentes e mais duradouros que os "amores". Lindo, simplesmente perfeito.

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  13. Primeira vez que venho aqui. Gostei muito do conto! Sabe, sou meio que realista demais. Eu gosto muito de finais felizes, mas às vezes tenho vontade de ler/ver algo "mais real". Porque não são todos os amores que dão certo, o que a maioria dos filmes de romance costumam insistir em dizer o contrário.

    E amei essa parte dos "quase amores são para sempre" achei muito sábio da sua parte, acho que nunca veria por esse lado.

    Beijos!

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