terça-feira, 20 de março de 2012

Margarida

Era uma noite fria de 1945. Noite não. Madrugada. 3h02 da manhã, para ser mais clara. Foi surpreendente aquele chorinho vivo e agudo de neném cortando o silêncio gritante que havia no hospital naquela hora. Naquele momento, a senhora do segundo andar pegou a mão do marido na maca, e chorou. A mãe do terceiro andar agradeceu a Deus a benção de uma vida nova chegando, ao mesmo tempo em que chorava abraçada com o filho de apenas 5 anos, cuja perninha direita acabara de ser amputada. Era a perna preferida dele pra jogar futebol.

Aquele chorinho, simples, agudo, e cheio de vida, ecoou por todos os corredores e quartos daquele hospital. A menininha foi levada para a sala do lado para ser pesada e medida. Sozinha. Não havia mais nenhuma criança no berçário. Tempos difíceis.

Tão logo a enfermeira trouxe a bebê de volta, a mãe a agarrou com toda força e a colocou no peito, para ver se esquentava. Fazia muito, muito frio. Lá fora também, mas ali dentro havia muito resquício dele. Estava na hora de esquentar. A neném mamou como se sempre tivesse mamado. Ou como se sua última mamada tivesse sido há muito tempo. Sei lá. Sei que enquanto ela mamava, o resto do hospital tentava ouvir seus burburinhos de esperança, e seus pais se abraçavam e contemplavam aquele rostinho como se fosse único no mundo. E era. Eles choravam abraçados, sendo três, novamente. Choravam de saudade e de amor. Eram quatro, na verdade. Mallu, sua primogênita, tinha morrido há 3 meses. Com 2 anos de vida. Vítima de que? Da guerra. E agora ali estavam eles novamente, como num Dejávu, chorando abraçados com uma filha no colo, no mesmo hospital, mas agora, com alegria. Uma alegria que em partes era suspeita, afinal de contas, como eles tinham tido coragem de colocar mais uma criança no mundo em tempos difíceis como aquele? Só pra sofrer? Não. Não iam pensar nisso agora. O dia era de esperança, de alegria.

Deu 6h da manhã, e os 3 continuavam ali, abraçadinhos, como se fossem um só. E eram. O moço, finalmente resolveu fumar um cachimbo do lado de fora para comemorar a chegada da caçula, e dos novos tempos da família Hoff. Eles tinham uma anjinha, mas tinham também uma nova flor. Flor.

Sentado na cafeteria, sozinho, sentindo cheiro de desespero e esperança, ao mesmo tempo, ele rabiscou no guardanapo: “E quando só houverem pedras, atire a primeira flor”. Flor. Eles tinham acabado de atirar a primeira delas, naquele hospital. Depois de dias a fio de desespero, dor, e morte, sua menina tinha sido a primeira a nascer. Voltou pro quarto com o rabisco, e resolveram ali o nome da pequena. Nome de Flor. Margarida, que, embora a segunda, seria sempre a primeira flor. No mesmo dia, a notícia que saia em todos os jornais era o fim da guerra. Acabou. Deu-se por encerrada. Pareceu um milagre, mas não foi. Foi apenas Margarida.

7

A primeira Flor.

11 comentários:

  1. Ai, meu Deus do céu, que lindo! Como você se atreve a me dizer que achou tosco? Enlouqueceu? Adorei tudo. O contexto, os nomes, o sobrenome - eu preferia a minha sugestão, mas tudo bem, hahaha! Mentira! -, até a foto ficou um amor.

    Tô apaixonada pelo texto =)

    Te amo, amiguinha <3

    P.S: Não lembrei do Pato Donald nem uma vez enquanto lia.

    ResponderExcluir
  2. Você escreve de uma forma muito envolvente. Não só relatos cotidianos, como também, descubro agora, textos fictícios. Aliás, é o que imagino que seja, certo?
    Gosto muito de ler sobre esse período da história, às voltas de 1945, uma época que nós nunca saberemos exatamente como funcionava, como era sentida. Pena que minha natureza pessimista se prenda bem mais na frase "como eles tinham tido coragem de colocar mais uma criança no mundo em tempos difíceis como aquele?" que na Margarida.

    ResponderExcluir
  3. Amor de Analu, me emocionei muito com o teu conto. Que linda história. Vontade de saber mais da família, de toda a trajetória deles até esse momento mágico. :)
    Um beijo.

    ResponderExcluir
  4. Chorei!!!! mimimimi A primeira flor! Maravilhoso! Ideia genial, belíssima articulação de palavras e enfim... nem sei direito o que comentar nos seus textos porque sempre choro e amo e isso é meio chato até heheheh enfim, parabéns minha linda! Amei. Continue assim! Abraços infinitos, Mayra.

    ResponderExcluir
  5. Que graça seu texto! Muito delicado e emotivo, dava pra sentir o misto de alegria e desconfiança do casal enquanto seguravam seu bebê. Parabéns! =*

    ResponderExcluir
  6. Uau, querida que texto forte, fofo... todo completo. Lembrei da canção do Djavan "e o meu jardim da vida, ressecou, morreu, do pé que brotou maria, nem margarida nasceu". Adoro contos, estórias inventadas.

    A propósito, minha flor preferida.

    ResponderExcluir
  7. Texto profundo.
    Quando vc escreve assim, parece-me que já viveu outras vidas. Será?
    Amei o template. E assim que se escreve? Se não, perdoa-me.
    Bjs

    ResponderExcluir
  8. Ameiii *-*

    .Muito Fofo, eu adoro textos assim, está muito lindo, até me emocionei :')

    .Ah, desculpe, que falta de educação da minha parte... Bom, eu estava navegando pela internet procurando, Citações, Textos, Poesias e etc. Então eu achei seu blog, e eu ameii *-*
    Muito Fofo, lindoo!!

    . To saindo agora, Muito prazer, Ester ^^ ( My name )

    Beijos da Téeh =*

    ResponderExcluir
  9. Ahhhh, amei amei amei! Tão lindo que eu nem sei o que dizer! "Acabou. Deu-se por encerrada. Pareceu um milagre, mas não foi. Foi apenas Margarida." <3

    ResponderExcluir
  10. Amei demais. Tão lindo, me arrepiou. Eu sempre me arrepio lendo coisas tão profundas assim! Nossa, amiga, nem sei o que comentar, estou babando no texto. Parabéns pela sua Margarida :)

    ResponderExcluir
  11. Eu adoro seus post sobre o cotidiano, Nalu, mas se você escrevesse mais ficção a página do seu blog nunca seria fechada no meu computador, rs.
    Ainda lembro da margarida que não veio na minha carta :( mas depois desse post eu te perdoei completamente haha

    Beijo, Aninha ^^

    ResponderExcluir