segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Uma filosofia de botequim inesperada ou quase - 24/31

Deixa eu contar uma coisa para vocês: eu fui uma criança e tanto. Nem tanto na minha visão, vejam só. Eu era meio besta, não tinha quase nenhuma inteligência emocional não que agora eu tenha rs e vivia sofrendo bullying, mas aos olhos dos adultos eu era a menininha simpática e educada que sabia conversar quase feito gente grande e só tirava nota alta. Meus pais nunca precisaram esquentar a cabeça com meu boletim e eu rapidamente descobri que, se eu tinha um charme nessa vida, era esse. Eu era inteligente. Eu conseguia fazer as coisas. Eu era aprovada em tudo o que eu me predispunha a fazer... até que eu fui reprovada pela primeira vez.

Era um teste da universidade de Cambridge que a maioria dos alunos da Cultura Inglesa, hora ou outra, acabavam fazendo. Eu devia ter uns 16 anos quando tentei o meu - e eu não passei. Vamos contextualizar aqui rapidinho: eu não reprovei por 10 pontos, nem por 5. Eu reprovei por 1. Uma questão a mais que eu tivesse acertado e eu teria um certificado de proficiência em língua inglesa nas minhas mãos. Por 1 ponto. Foi nesse dia que eu descobri que o "quase" não existe.

O "quase" não existe de fato, mas se a gente pensar a fundo no conceito dá para concluir que ele é uma ótima invenção de linguagem para nos servir de consolo quando algo que tentamos não deu certo ou, também até quando escapamos por pouco de alguma desventura: QUASE caí de bicicleta mas consegui frear a tempo, ufa.

Quando eu paro para analisar a humanidade (!) e suas particularidades penso que talvez tudo o que alguém se preocupou em criar em algum momento seja para nos amenizar de alguma forma; para facilitar. A roda facilita a locomoção que, por sua vez, faz de tudo para amenizar as distâncias que devemos percorrer. Não seria diferente com as criações mais metafóricas e linguísticas. O ser humano precisava de um conceito que ajudasse a definir essa sensação de "não conseguir" ou "conseguir" por pouco. Mas é só consolo mesmo. É um afago mentiroso. O "quase" não existe.

Uma bola que bate na cesta e não entra não conta ponto. A que bate na trave não é gol se não balançar a rede e os quase gols não valem décimos de pontuação no placar da Copa do Mundo. Quando a gente quase beija alguém que ama a gente infelizmente não guarda o gosto dela na boca - e quanto a gente tira 59 numa prova cuja média era 60 a gente quase garante o certificado de inglês, mas não dá para colocar no currículo.

É duro encarar a realidade, mas às vezes é necessário receber uma epifania ou outra, mesmo que seja só para pensar sobre o assunto e depois guardar na gaveta de novo. O "quase conseguir", na verdade, apesar de nos parecer mais perto do "conseguir" do que do "não conseguir" sempre foi a mesma coisa que o segundo, sem tirar nem por. Quem quase consegue não consegue. Quem quase cai de bicicleta não cai. Quem começa a divagar sobre um advérbio de intensidade no meio de uma tarde de sexta-feira quase consegue escrever um texto decente - mas, vocês sabem, quem quase escreve um texto decente não escreve de fato, e então vou postar isso aqui mesmo porque foi o que deu para fazer. 

11 comentários:

  1. "Quem começa a divagar sobre um advérbio de intensidade no meio de uma tarde de sexta-feira quase consegue escrever um texto decente - mas, vocês sabem, quem quase escreve um texto decente não escreve de fato, e então vou postar isso aqui mesmo porque foi o que deu para fazer."
    Minha vida. HAHAHAHAHAHA
    Mas Ana, eu acho que tu tá certa. Quase não serve pra nada. Não dá pra ser feliz sendo quase feliz. Não dar pra dar certo dando quase certo. Não dá pra pra comprar algo com quase todo o dinheiro. Mas a gente gosta de consolo, porque a gente gosta de pensar que se quase deu certo uma vez, talvez na próxima vez dê certo de verdade. Pelo menos eu penso assim.

    Beijão!

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  2. Sua reflexão sobre o "quase" entrou para a minha lista de problemáticas da vida. Nunca tinha parado para pensar nisso, mas faz tanto sentido. Só preciso assimilar a conclusão de que essa amenização não existe (!) e temos de lidar com isso.

    Sobre as provas de Cambridge: já fiz duas dessas, e grazadeus, passei. Mas também, só prestei os exames depois dos 18, se tivesse feito antes capaz de ter reprovado também. Tenho certeza que se você fizesse agora, passaria. Maturidade é tudo, e as provas agora estão bem tranquilas. :)

    Beijos.

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  3. Amiga, meu pai fala muito isso. Ele tem até um bordão (?) quando alguém tenta convencer ele de alguma coisa (normalmente eu) usando o argumento do quase "Não acredito em quase porque não tem existe quase grávida ou quase virgem, é sim ou não, acredito na força do trabalho, etc". E o que mais me irrita quando ele fala isso é que ele tá certo, né? Eu não passei na primeira fase da Fuvest por dois ou três pontos. Quase lá. Mas não passei, e não adianta dizer pra ninguém que quase passei na Fuvest, porque no fim das contas eu não passei e a vida continua a mesma. No fim das contas é só uma muleta emocional que a gente busca pra se sentir um pouco melhor sobre as coisas, e apesar de eu achar meu pai radical demais na sua militância contra o ~quase~, às vezes é melhor ter esse choque de realidade de quase não significa nada na vida real.

    beijos
    te amo!

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  4. Adorei a epifania, bananinha. É bem verdade que mais vale uma única vitoriazinha, que um milhão de quases. Porque quase não é nada, quase não satisfaz, e -- na real -- eu sempre achei ficar quase infinitamente pior do que passar longe. Porque quando a gente passa longe pelo menos dá pra se considerar muito bom em ser ruim.

    Te amo <3

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  5. Banana, você como filósofa é uma ótima fruta filósofa mesmo (?). Adorei a sua divagação, e aff, dei um suspiro leve aqui porque sou muito a sua fã. Sou sua fã sempre e eternamente, mas amo quando você escreve essas croniquetas!

    Eu passei de primeira no teste de Cambridge, mas com uma nota mais baixa do que eu teria ficado satisfeita (porque a entrevista oral foi uma grande merda e eu tive que começar a mentir porque a mulher não mudava o assunto), mas muita gente levou bomba pela 7a vez ali. Da vez que fiquei de recuperação na minha vida, foi por 0,5. A gente é muito a gente mesmo, né?

    Te amo!

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  6. Amiga, eu não passei no vestibular por 2 pontos, eu sei o que é esse quase inexistente e eu sei que é uma desgraça, mas sabe que pela primeira vez na história da minha vida pessimista (?) eu penso nesse quase de outro jeito? Um quase assim na nossa cara (pelo menos pra mim) é um estímulo para tentar de novo e ser um fucking YES!
    Eu não tentei o vestibular de novo, mas porque eu já tinha tentado 3 vezes antes. hehe
    Nunca fui boa com provas e notas, não acredito que um papel com algumas questões possam definir o nível do teu conhecimento, sabe? Por isso nunca fui encanada com isso e já recebi vários quase nessa vida escolar. Deve ser por isso que essa é uma das únicas coisas que me fazem otimista nesse vida (?)

    Te amo! <3

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  7. Eu nem gosto muito de parar pra pensar nisso porque em algumas situações é tão mais fácil ficar com o quase do que pensar que ele, de fato, não significa nada além daquilo que a gente não quer admitir. Não deu, paciência, vida que segue. Eu já não passei no vestibular por poucos pontos, já fiquei de dependência (!) em matemática por um ponto (essa nunca vou esquecer), já quase fiz tanta coisa e fui em tanto lugar, que parece até bonito ficar falando que quase deu certo, mas né, não deu. Momentos.

    te amo <3

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  8. É como aquela frase de House: "quase morrer não muda nada; morrer muda tudo". Ninguém tá aí se você QUASE conseguiu aquela coisa - sua família e seus amigos podem dar uma força, mas isso realmente não tem grandes significados. No mundo em que vivemos, só tem valor o que é real, concreto, passível de prova. O que, cá pra nós, é um saco.

    Eu também percebi ainda criança que se tinha uma coisa que me fazia "especial" essa coisa era ser inteligente (risos). Até que falhei. Até hoje me cobro demais por conta disso. Mas a gente precisa relaxar. O currículo pode até ser feito de sucessos, de certezas, mas a vida tem de ser feita de algo a mais.

    ;*

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  9. hahahhhaa eu sei como é Ana, o quase realmente não existe. Só existe o conseguir e o falhar, mas a gente ainda não tem base emocional pra lidar com esse fato tão bruto! Um dia quem sabe? Mas acho que é bom mesmo a gente ter essa consciência, não pra ficar se martirizando nem pra usar como desculpa pra bitolar, mas simplesmente pra ter essa consciência sabe?

    To divagando haha

    beijo <3

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  10. Olha dona moça, não foi um texto quase bom, foi um texto bom mesmo e pronto! Olha, engraçado que hoje eu tava "do nada" pensando nesse tal de quase, lembrando de quando meu irmão falou uma vez: "Quase não existe, Deise, nas nossas invenções estamos todos quase mortos, pq não estamos mortos, entende? Pq não dá pra quase morrer, ou se está vivo ou morto e pronto, isso serve pra todo o resto, ou é ou não é!"
    Mas é isso né, a gente vez ou outra se depara com esse pensamento, mas continua pensando no tal -poxa, eu quaaase peguei aquele ônibus, mas passou...- aiai somos seres doidos...
    Foi bom conhecer aqui! Um abraço!

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  11. - O ser humano precisava de um conceito que ajudasse a definir essa sensação de "não conseguir" ou "conseguir" por pouco. Mas é só consolo mesmo. É um afago mentiroso. O "quase" não existe. - BUSSULAR, Analu ♥

    Amiga, AMIGA. <33
    Se esse é um quase texto, quero nem pensar no que são os meus. hihihihi
    Amo a maneira como você filosofa sobre assuntos tão lindamente e facilmente.

    Ando com muitos quases no currículo ultimamente e nem tem me confortado pensar que foi quase. Ou melhor, MUITAS vezes nem quase tenho alcançado sabe?
    Prova de concurso, um desastre, por exemplo.

    Eu achei que era inteligente, mas lá no interior.
    Quando cheguei aqui os quases dominaram, não era mais que mediana e estamos aí.

    Falei nada com nada, mas é que me fez pensar nessas épocas bads de recém formada.

    Beijos.
    (foi um quase comentário?)

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