quinta-feira, 2 de outubro de 2014

3. O dono da bola (de cristal)

Livremente inspirado nesse blog genial aqui

No meu primeiro ano de faculdade eu tinha a matéria de fotojornalismo. O cara era um bom fotógrafo, mas um professor ruim. Talvez, sinceramente, eu tenha preferido um professor bom, mesmo que fosse um fotógrafo meia boca. Na sala de aula, tenho mais aflição de gente que tem conteúdo demais e didática de menos que o contrário.

Esse cara era um tantinho metido e jurava que tinha sido contratado para contar suas histórias de vida. Talvez essa seja a única explicação plausível para o fato de ele ter passado horas falando aleatoriedades em sala: sobre suas expedições fotográficas, sobre sua própria vida, sobre seus pensamentos em relação ao mundo, sobre o que ele previa que aconteceria conosco. Por isso, inclusive, meu título: Ele tinha certeza que era o dono da bola e, também, da bola de cristal. Sou péssima com trocadilhos, me perdoem. Enfim, continuemos.

Pouco aprendi, na teoria, sobre dosar o ISO de uma câmera. Nunca esqueci que o professor e sua esposa tinham uma vibe meio hippie e que as crianças tinham nomes bem praianos e místicos. Eles gostavam de maresia e liberdade, pregava ele. Um dia contou que sua filha, com 2 anos, pegou o Iphone dele e desbloqueou, lindamente, como se sempre tivesse feito aquilo. Ele se assustou com o envolvimento dela com a tecnologia, desligou o celular e a levou para a praia no mesmo dia.

Já vi muita gente se dizer comunista e, usando uma camiseta do Che Guevara, fazer uma selfie com seu próprio Iphone. Também acredito que role ser hippie e manter as crianças longe da tecnologia... sendo viciado no próprio celular. Não o julgo por isso. Mas o julgo por pregar a liberdade e o free spirit na vida... desde que todos vivam  da forma que ele ache razoável: uma vez, esse cara, livre que só ele, disse que não acostumaria nunca com essa história de gays. Casal é homem e mulher, né, porra? Disse ele, sorrindo, como quem fala do tempo. Cara controverso.

Uma vez, logo no começo do ano, ele proclamou, para nossa turma que começava, que nos desejava boa sorte. Deixou bem claro, entretanto, para a massa de calouros, que muita coisa aconteceria conosco até o fim dos 4 anos de faculdade. Entre as demais recomendações, disse que certamente algumas pessoas não se formariam, alguém engravidaria e alguém morreria. Em toda turma de faculdade alguém não se forma, alguém engravida e alguém morre, declarou ele.

Impressionável que sou, passei semanas a fio pensando que obviamente seria eu a que iria morrer. Pra que, né. Continuo aqui escrevendo, muito bem, obrigada. 4 anos se passaram. Ninguém engravidou. Ninguém morreu. Quanto aos que não se formaram, venhamos e convenhamos que essa é uma previsão bastante fácil e corriqueira de se fazer. É como meu padrinho, em todo reveillón, brincar que vai tirar búzios e dizer que neste ano vai morrer alguma pessoa famosa. Sempre morre uma pessoa famosa. Sempre alguém não se forma em uma turma. Há quem desista pelo caminho, há quem reprove, há que faça intercâmbio e atrase a formatura, há de tudo em relação a esse assunto mas, repito, ninguém engravidou e ninguém morreu.

Prever uma gravidez, por mais bombástico que possa parecer para uma turma que em sua imensa maioria tinha 18 anos, é prever uma vida nova. Bombástico, repito. Mas é vida. Aceitável a previsão, mesmo que não tenha acontecido. Agora, garantir que alguém da turma iria morrer antes dos 4 anos, isso eu nunca perdoei.

Acabou que quem morreu, infelizmente, foi a mãe dele, e ele teve que abandonar a cadeira para cuidar dos negócios dela, no litoral. Deve ter se mudado com as criança tudo para a praia. Sigo ele no Instagram, até. Como eu disse, é um bom fotógrafo. No frigir dos ovos, acabamos cursando o último bimestre com um outro professor, que usava pochetes. Também pouco lembro do conteúdo ensinado, mas lembro muito bem que ele passou um trabalho gigante e que, repito, usava pochetes. Se isso não é motivo para desvirtuar todo o resto, então não sei o que é.

Não vim falar sobre nada específico, na verdade. Mas é que nessa madrugada, rolando na cama, tudo isso me veio na cabeça assim, aleatoriamente. E eu decidi falar que um bom profissional não é, necessariamente, um ótimo professor. Decidi falar que morar na praia com as crianças e ter Iphone é ok, mas que não é bonito ser apaixonado pela liberdade e pregar em sala de aula que amor só é amor se for entre homem e mulher. Você é hétero, chapa? Que bom! Também sou, olha que coisa. Bora deixar as outras pessoas se apaixonarem por quem elas quiserem? Bora! 

Decidi vim falar, também, que se meu pai não tivesse comprado uma câmera pra mim e eu tivesse descoberto, na prática e sozinha, como lidar com ISO e velocidade de disparo eu, possivelmente, não saberia fotografar até hoje. Mas decidi, em suma, falar que tudo bem que nem todos da minha turma se formaram, mas que nenhuma menina engravidou e, principalmente, que estamos todos vivos, amém. Lide com essa, Mãe Diná

11 comentários:

  1. Vim aqui ler de boa seu texto e não é que fiquei meio assim, sabe, daquele jeito, talvez triste? Porque nenhum professor fez essa previsão pra minha turma e, na verdade, a professora de foto era muito boa como profissional e dando aula... Mas na minha turma teve gente que engravidou (e acabou não tendo o bebê) e teve uma menina que morreu :( Foi meio estranho, já estávamos no terceiro semestre, mas ela era muito fechada, quase não falava com ninguém. Sempre voltava pra cidade dela no final de semana. E pelo menos lá em Floripa o jornal sempre divulga uma notícia "morreram tantas pessoas na estrada durante o final de semana". Uma vez uma colega clicou na notícia, que acabou sendo publicada no Estadão também, e leu o nome dela. Foi assim que ficamos sabendo. Ela tava voltando pra Floripa de carona e teve um acidente. Nesse dia fomos liberados da aula e passamos a tarde juntos, foi tudo muito estranho. Eu não me formei nos quatro anos certinho, mas estava lá na colação de grau de alguns dos meus colegas e o nome da turma foi uma homenagem a essa menina.
    Não sei por que estou te contando tudo isso, mas senti vontade de compartilhar...

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  2. Eu acho que essa Mãe Diná é a mesma que meu deu aula durante quatro semestre na universidade. Só isso explica o fato desse cara se encaixar perfeitamente na descrição do meu professor de fotojornalismo e fotografia digital (nem tanto na parte da praia e dos filhos, que ele vive falando em sala que nunca quis ter, muito obrigado), mas de resto, tá tudo certo.
    Acabou que aconteceu o mesmo comigo, me virei pra aprender a "fotografar" (entre aspas mesmo porque eu ainda acho que as minhas fotos são bem ruinzinhas).
    Triste é ver que tem mais gente assim espalhada pelas universidade, formando profissionais.

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  3. Quando estava na oitava série, o professor de Física disse que, durante o Ensino Médio:
    1. alguém iria começar a estudar a noite, porque precisaria trabalhar durante o dia
    2. alguém iria parar de estudar porque quis
    3. alguém iria parar de estudar porque engravidou
    4. alguém iria parar de estudar porque morreu.

    Mudei de escola, mas tenho notícias de que ele acertou suas previsões, sim.
    :(

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  4. Que professor bizarro! Cara, como alguém chega pra uma turma de calouros e diz que ALGUÉM DALI VAI MORRER??? Graças a Deus que não aconteceu nada né?
    Olha, eu já odiei muitas matérias por "culpa" do professor. O problema é que quando o professor não tem didática, você automaticamente perde o interesse pra matéria, mesmo ela sendo uma das mais interessantes e aproveitáveis do mundo.
    Eu lembro que eu tinha uma sobre psicologia infantil, mas o professor levava uns textos e mandava cada aluno ler um parágrafo sem fazer nenhum comentário. Eu odiavaaa!!!
    Daí desisti da matéria, e no semestre seguinte consegui me matricular com uma professora maravilhosa que eu posso dizer, me fez gostar 100% do conteúdo, tanto que não esqueço nada do que ela disse até hoje.

    Beijos :)

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  5. Esse professor, definitivamente, não sabe como animar uma turma! Meu Deus, isso é coisa de se dizer no início dos estudos do pessoal? Acho que eu ficaria tão cismada quanto você, sou facilmente impressionável com essas coisas, sério. Acredito que existem maneiras mais legais de receber um grupo de calouros do que dizer que um vai morrer, uma engravidar e alguém não vai se formar! Pensando pela minha turma, ninguém morreu. A menina que engravidou já era casada, então era uma coisa que ela e o marido desejavam. O pessoal que não se formou, não o fez por terem saído pra intercâmbio, então se formaram meio semestre depois. Enfim, é terror psicológico da pior qualidade. XD

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  6. Que professorzinho mais infeliz, amiga. Como eu tinha comentado antes e c e r t o s s i s t e m a s não registraram, acho que tenho mais birra de quem tenta impor sua opinião com a arrogância de paladino da liberdade, do que de quem não tá a fim de liberdade pra ninguém. Pelo menos é coerente, né?

    Quanto a essas previsões, eu já tinha ouvido algo parecido, mas de professor do ensino médio. Não sei se teve quem não terminasse o colégio, mas teve uma menina que engravidou logo no primeiro ano (e contra tudo e contra todos, tá com o namorado até hoje e o filho deles é LINDO), e uma que morreu. Ela descobriu um câncer no meio do segundo ano e parou de ir na escola, e faleceu no começo do meu primeiro ano da faculdade, logo quando ela tinha voltado a estudar. Nós não éramos próximas, mas ela era muito amiga de vários amigos meus e acompanhar essa história foi uma das coisas mais tristes que já vi de perto. ENFIMMMM o importante é que você tá aí formada e tirando fotos belas, e pelo menos na sua turma essa Mãe Diná fajuta errou feio, hahaha
    beijos <33

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  7. O que mais tive na faculdade foram professores que eram pesquisadores perfeitos, mas professores de merda, e vice versa. Ninguém morreu, ninguém engravidou e algumas pessoas trocaram de curso, mas "profetizar" que alguém não vai se formar é meio que dizer que o céu é azul, né. A única """profecia""" desse tipo que notei ser verdade em tipo 90% dos casos é a de que, eventualmente, durante o curso, alguém vai sair do armário.

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  8. Seeempre, digo sempre tem um professor assim, né? Que acha que ensinamento bom é aquele que preenche o tempo da aula falando de suas próprias conquistas e experiências. Isso sim é uma previsão inevitável hahahaha
    Nesse semestre mesmo, tô tendo aula com um MALA que se acha o expert em tudo.

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  9. Ei Analu! Te indiquei uma tag lá no blog, se quiser responder. Um beijo! ♥

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  10. lI esse texto praticamente no mesmo dia que ele foi postado mas esperei um pouco para formular um comentário decente:
    Ja tive professores e outros profissionais... que pareciam ter essa mesma bola de cristal, e a real importância deles na nossa vida é justamente ao contrario a essa... seria de dar um um mega empurrão de motivação quando nós mesmos não acreditamos na nossa capacidade... se tornando só mais um professor e não mestres que marcam as nossas vidas quando ainda somos tão pequenos ou estamos iniciando uma carreira.

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  11. Devo confessar que, em certo ponto do texto, eu já tava odiando o cerumano em questão. Tive muitos professores assim na minha graduação. Digo esse tipo que manja demais do assunto e tem zero didática. Muitas vezes, desconfio que é esse o pré-requisito pra se dar aula na USP. Tive aula com verdadeiros gênios que não me ensinaram absolutamente nada. Felizmente, também tive aula com gênios que me ensinaram muita coisa e professores com currículo mais "pobre" que vou carregar pra sempre na minha vida profissional. De qualquer forma, também já tive esse tipo de professor Trelawney que tenta prever o futuro da turma e acaba vomitando muito chorume. Felizmente, nenhum chorume se concretizou. :)

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