terça-feira, 7 de maio de 2013

Quando nada (realmente) terrível acontece

Como uma amiga minha disse no blog dela uma vez, o câncer do vizinho não cura o seu resfriado. Cada um sempre sabe o tamanho dos seus pepinos e o quão é pesado (ou não) enfrentá-los e o fato do carma do outro ser maior não tira o direito de preocupação e sofrimento dos que carregam um "menor". Como eu falei, em um post passado, sobre algo que Hazel disse, todas as coisas são lidáveis. E se cada um tem que lidar com o seu fardo, que cada um tenha também o direito de sofrer por ele.

Fiz essa introdução só para poder contradizê-la durante o post, deixando claro que ele não tem intenção nenhuma de dar lição de moral. É só uma reflexão que está sambando na minha cabeça e que eu não quero deixar passar, mesmo estando ciente de que esse blog, ultimamente, não está passando dessas minhas filosofias de botequim. Acho que devo estar vivendo coisas bem pouco interessantes e pensando demais. Mas melhor não pensar nisso e falar logo do que eu vim falar.

Tem um episódio de Grey's Anatomy, por sinal um dos que mais me marcou, que diz o seguinte:

‘Eu tive um dia terrível.’ Nós dizemos isso o tempo todo. 
Uma briga com o chefe, enjoo, engarrafamento… 
É isso o que descrevemos como terrível, quando nada de terrível está acontecendo.
Essas são as coisas que imploramos para ter: 
um canal, uma auditoria federal, café espirrando nas roupas. 
Quando o terrível acontece,
 imploramos um Deus que não acreditamos para resgatar os pequenos horrores.
E levar isso embora.
Parece fácil agora, não parece? 
A cozinha inundada, a madeira podre, a briga que lhe deixa com raiva. 
Ajudaria se soubesse o que estava por vir? 
Saberíamos que estes seriam os melhores momentos da nossa vida?


Eu nunca consegui esquecer dessa quote. Ela é dita em um momento onde aconteceu um acidente com uma família, e uma menina de uns 15 anos tem que ser a forte do momento e dizer para os irmãos mais novos que sua avó e seus pais faleceram. É um daqueles casos onde a cena não precisa de mais nada pra te fazer ter dor de barriga de nervoso. Eles não eram personagens fixos, nunca tinham aparecido e tampouco tornaram a aparecer, e isso não mudou o meu desespero frente àquela situação. Porque seria com certeza uma daquelas onde eu pensaria que, meu Deus, eu realmente tinha coragem reclamar de coisas banais?


Meu pai vive abrindo a janela do meu quarto no inverno, para o ar circular. Além disso, ele se tornou apaixonadamente adepto do livro e da revista digital: Só lê pelo IPad e me chama de retrógrada (!) pelo amor que cultivo aos meus livros. Critica minha estante, vejam só. Minha mãe é daquelas que sempre arranja algum motivo pra se estressar, na falta de um motivo realmente estressante. Se não estivermos, por exemplo, atrasados, ela reclamará da roupa que eu escolhi usar. Ou do meu cabelo. Ou ainda vai dizer que eu não passei batom. Ah, e ela sempre diz que a chave de casa não está com ela e joga a culpa em alguém pelo sumiço, até que a encontra dentro de sua própria bolsa. Minha irmã sempre desamola os alicates, entra no chuveiro na hora que eu quero tomar banho e nunca fecha a porta do meu quarto quando sai dele. Minha avó? Minha avó sempre defende os mais novos e já me "expulsou" da casa dela quando eu revidei um tapa na minha irmã depois que ela já tinha me dado 3 deles por pura provocação.

O inferno são os outros, né, Sartre? São. As pessoas e suas manias e cotidianices, sempre trabalhando par arranjar o melhor jeito de nos tirar do sério. Mas isso é tão, tão pequeno, quando a gente se imagina no lugar da menina, tendo sobrado praticamente sozinha, e ainda por cima carregando o fardo de avisar aos irmãos pequenos que a família inteira estava morta. Essa cena, sim, me dá muita vergonha de mim só de lembrar. Porque numa hora dessas eu só choro abraçada na almofada, olho pra menina e agradeço infinitamente por levantar da cama e ir fechar a janela que meu pai abriu pela milésima vez.

Ah, essas chatices da vida. Grey's Anatomy acertou mais uma vez. São sempre por elas que imploramos quando algo realmente chato acontece. Essas cotidianices chatas não deixam de fazer parte dos melhores momentos de nossas vidas. 

7 comentários:

  1. Eu penso nisso o tempo inteiro, amiga. Mesmo sabendo que o câncer do vizinho não cura meu resfriado, me policio para gastar menos energia com meus problemas pequenos. Lembro de um dia que cheguei em casa irritadíssima por um monte de pequenas coisas e minha mãe me contou que tinham descoberto um tumor do tamanho de uma laranja no pulmão da filha de uma amiga dela, que tinha a minha idade, que nunca mais ia pra escola, que nunca mais ia sair com meus amigos, enquanto eu queria chorar de raiva porque tinham roubado minha lapiseira.

    Acho que é melhor pensar assim do que achar que nossa vida é o fim do mundo, né?

    Beijos!

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  2. Fico muito dividida, sabe. Entre o direito de me incomodar com as minhas pequenas chateações e a grande lição de que eu devia era aproveitar minha sorte por comparação. Acabo concluindo que não dá pra dar valor sempre, é impossível engolir toda chave perdida por causa da tragédia alheia. Mas também não dá pra viver uma vida exclusivamente focada nas pequenas irritações pessoais, julgando que temos todo o direito às reclamações. Talvez os momentos em que engolimos em seco pela percepção da nossa infantilidade seja um reconhecimento válido.

    Eu gosto das suas filosofias de botequim. Muito muitão.
    Beijo! <3

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  3. Olha, recentemente comecei a adotar a filosofia de tentar não achar minha vida um fracasso. De parar de reclamar dos meus problemas e ir atrás das soluções e de tentar parar de me comparar aos outros, mas é difícil. Ainda acho que eu tenho o direito de reclamar dos meus pequenos problemas, just for the hell of it, como diria o Holden Caufield e, contanto que isso não se torne absurdo, acho até válido pros outros. Mas assim, gostei desse ponto de vista de que nossas cotidianices chatas também fazem parte dos melhores momentos da nossa vida. Se for parar pra pensar, é super verdade.

    Filosofias de botequim are AWESOME!
    Beijo :)

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  4. Tô ficando sem saber o que comentar nos seus textos. Você anda escrevendo tão bem! Cansei de ficar te elogiando, sabe? Mas seus textos me fazem refletir mais do que querer falar sobre e por isso acabo não fazendo ideia do que falar e, ai, já falei demais. Você é sensacional.
    Abraços <3

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  5. [primeiro: que amor eu sendo citada aqui no teu cantinho <3]
    Eu mudei, amiga.
    Continuo achando que cada um tem problemas em diferentes dimensões e que é do direito do ser reclamar sobre isso, mas é que não precisa reclamar tanto, né? Eu fico com vergonha de mim também quando reclamo por coisas tão pequenas. Faz eu me sentir extremamente egoísta e infantil. Claro que eu continuo reclamando, é quase impossível não o fazer, mas eu estou tentando reclamar de tudo ou do que eu acho que são problemas grandes e horríveis. Agora eu paro, respiro, penso se vale a pena me estressar, reclamar e ser tão mesquinha, sabe? Tem me ajudado, e eu considero isso como uma melhora.
    mãããs eu sempre vou amar essa frase "o câncer do vizinho não cura meu resfriado". Tem algo de muito forte nela que sempre me toca.
    <3

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    1. estou tentando PARAR de reclamar de tudo*** peloamor

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  6. Eu entendo quando você quis dizer que uma frase fica martelando na sua cabeça, Ana. Esses dias e até hoje está a frase do Pequeno Príncipe ''Tu te tornas responsável por aquilo que cativas'' em minha cabeça. E sempre que lembro dessa frase, sempre tento fazer o meu melhor. Sempre.

    Mas falando sobre o assunto do seu post, eu só tenho que dizer que realmente concordo, me tocou essas suas escrituras e me fez sentir parcialmente como tu sentes ao ver essas cenas de Grey's Anatomy - isso porque eu não acompanho.
    Coisas pequenas, tanto chatas quando legais fazem a graça da vida. E essas chatas, temos que saber lidar. Pois o fardo pode vir a ficar pior sem nem termos imaginado.

    Amei o texto!
    Beijos!

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