terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O amigo secreto nunca é amigo e raramente é secreto

Vou fazer a egípcia, fingir que nada aconteceu e nem comentar o fato do meu 1282º sumiço do ano e nem sobre a furada do projeto das anedotas. Também não vou comentar o fato de que voltei para falar da novela das 7 de novo, mas dessa vez o assunto é mais sério, sigam-me os bons.

Lá na semana que a novela começou eu fiquei indignadíssima assistindo aos primeiros capítulos. No caso de alguém estar perdido eu contextualizo: Marina Ruy Barbosa era constantemente assediada/perseguida pelo seu padrasto. Não, ele nunca chegou a estuprá-la, mas esse não é o ponto – ou ao  menos não deveria ser, né? Como eu disse, fiquei super indignada assistindo, porque o assédio para cima da menina (não só por parte do padrasto, mas também por parte dos frequentadores do boteco dele, onde ela trabalha) acontecia o tempo todo e totalmente às claras como a mãe dela ora fingia que não via ora implorava para que ela evitasse a situação parando de usar roupas tão curtas.

Em um primeiro momento confesso que já fechei a cara e fiquei mareando aquela vontadinha filosófica de sair na rua com cartazes pedindo para a Globo parar com o desserviço social. Depois eu fiquei pensando melhor e decidi que se eles juntarem esses fatos todos para problematizar aos poucos durante o enredo será uma ótima ideia – afinal de contas, mentindo eles não estão. A novela está é jogando na cara de todo mundo a dura realidade: assédio é encarado com muito mais naturalidade do que deveria… e a mulher ainda acaba com a culpa. Seja pelas roupas curtas (?) ou, pausa para nos pasmarmos de lembrar, por reagir violentamente para se defender.

A vontade de escrever esse post veio do capítulo de hoje, quando, NO MEIO DE UMA FESTA BADALADA, repito, no meio de uma festa badalada, a menina foi claramente assediada por um comendador, na pista, na frente de um monte de gente. Ela tentou escapar de forma discreta e ele continuou na insistência, puxando-a pelo braço, quando então ela gritou e o empurrou… se tornando a piada da festa. Para completar o acontecimento, enquanto caía ao levar o empurrão, o cara segurou o vestido dela, rasgando-o completamente, fazendo com que ela ficasse de lingerie no meio da pista.

Vamos ignorar um pouquinho o exagero porque afinal de contas é um ~folhetim novelesco~, mas para frisar o que importa: a menina foi assediada covardemente na frente de um monte de gente E da imprensa E ficou com toda a culpa porque “deu um barraco” ao se defender. Só uma outra moça, no fim do capítulo, cogitou abrir a boca rapidinho para falar que “epa espera aí ela foi assediada” e foi rapidamente cortada pelas pessoas mais importantes. O que mais dói? Admitir que a novela não está mostrando nada mais que a realidade.

Esse meme do “amigo secreto” que fez barulho na internet nesses últimos dias só deixa claro, ironicamente, que o amigo nunca é tão secreto assim. Na maioria absoluta das vezes, inclusive, é alguém que todo mundo vê e prefere fechar os olhos. É sempre mais fácil colocar um escândalo nas costas da “menina/mulher barraqueira que está sempre na defensiva” do que arrastar um filho da puta para a delegacia de uma vez e acabar com a conversa. Assédio sexual é crime – mas a maioria das pessoas já viu acontecer e a maioria das mulheres já teve que enfrentar.

A novela ainda está no primeiro mês e, repetindo o que disse lá em cima, espero de verdade que eles problematizem melhor a questão ao invés de apenas mostrar – afinal de contas, “apenas mostrar” talvez seja um perigo maior do que não mostrar: as pessoas podem usar como exemplo, principalmente esse friso em cima do fato de que o assediador nunca é o culpado, e tudo o que não precisamos nessa vida é de MAIS EXEMPLO na cabeça de quem não deve, mas enfim. É um grande looping de indignação pensar que: 1) a novela me indignou antes de eu lembrar que 2) peraí ela só está mostrando a verdade, a sociedade indigna mesmo 3) me indigna ainda mais pensar no tanto que a sociedade segue nos indignando.

E ainda tem quem não entenda/seja contra o tema da redação do ENEM de 2015. Tem que saia por aí falando que acredita de verdade que existe igualdade de respeito entre os gêneros e que as mulheres já estão “querendo demais”, “sendo radicais demais”, “se fazendo de vítimas demais”, tudo demais. Essas pessoas de certo nunca foram mulheres sozinhas numa rua escura e deserta.

“Eu entendo o feminismo quando estou numa rua escura e deserta
e percebo há alguém atrás de mim. E quando olho para trás e percebo
que esse alguém é uma mulher, meu coração para de palpitar e eu sei
que ela também está feliz em me ver”
(autor desconhecido)

5 comentários:

  1. Não sentia vontade de ver essa novela e agora sinto ainda menos.

    Sei que ela está apenas "mostrando a realidade", mas poxa, de realidade ruim já basta a nossa, né? De que adianta apontar todas as coisas ruins da sociedade se não deixa claro que são coisas ruins? Que tem assédio a gente já sabe, mas quando vai chegar a hora de fazer notarem o quão errado ele é?

    Sobre a redação do ENEM: acredita que eu vi uma menina defendendo que era errada a posição do ENEM de não aceitar redações que desrespeitem os direitos humanos, porque isso feria o direito dela à liberdade de expressão? Eu tive (tive, não podia deixar passar) que explicar que liberdade de expressão não é um direito absoluto e só "vale" enquanto aquilo que você diz não fere os direitos dos outros, mas ela ainda não entendeu. E doeu ver gente curtindo o comentário, concordando com o absurdo.

    A gente vive numa sociedade tão nojenta que nem na hora de fazer texto pra entrar na faculdade eles conseguem tirar a maldade do coração.

    Boa sorte pra gente, Analu.

    Beijos ♥

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  2. Olha que coincidência, ontem assisti essa novela pela primeira vez. Se num momento eu tava amando o discurso da ruivarbosa de empresária das ruas (hahahaha), no outro eu já urrava pra televisão quando o Fábio Assunção disse que ela não tinha que fazer escândalo nenhum e as pessoas ao redor assentiram silenciosamente. Algumas pessoas pareceram desconfortáveis, só acataram porque ele era chefe, mas depois a Juliana Paes foi falar com a Viviane Pasmanter e as duas concordaram que a menina não sabia se comportar num evento??? Fiquei muito brava. Uma coisa é a novela mostrar uma realidade, a outra é fazer desserviço normatizando esses comportamentos. Aliás, pra mim o mais importante da #meuamigosecreto é trazer luz pra comportamentos machistas que são tratados como coisas normais, ou tudo bem esse cara fazer isso porque ele é bacana, ele é da galera, ele é inteligente, de esquerda, sei lá. Do mesmo jeito que o estuprador não é só o psicopata na esquina escura, o machista não é só o cara que acha que feminismo é falta de rola.
    Sei lá, tá tudo errado. Eu fico bem chateada quando vejo canais grandes reproduzindo esse discurso de que assédio é normal (tipo o Amor & Sexo aquela vez falando que tinha que encarar como elogio, com senso de humor - nunca vou esquecer a raiva que passei com esse programa) porque aí mostra como a gente vive na nossa bolha em que as pessoas pensam a mesma coisa, mas o Brasil é TÃO MAIOR. E o discurso propagado pra esse público grande é que a menina que reclama é louca e inconveniente, que tudo bem o cara rico e bêbado tentar agarrar ela na festa.

    Lembrei de uma frase muito boa da Simone de Beauvoir sobre as pessoas não tratarem com seriedade os problemas das mulheres: "Se a "questão feminina" é tão absurda
    é porque a arrogância masculina fêz dela uma "querela" e
    quando as pessoas querelam não raciocinam bem".

    Enfim, que bom te ter de volta (olha quem fala)
    te amo!

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  3. Não consigo assistir a novela todos os dias e inclusive perdi o capítulo em questão (e depois fiquei sem entender porque a Marina estava com a roupa toda rasgada). Mas aí eu lembrei de um outro capítulo que ela está vendendo flores num restaurante e uns caras de terno e gravata começam a mexer com ela. Ela responde, não fica calada, e o que acontece? Ele é retirada do restaurante enquanto os caras ficam rindo. RINDO. Se não fosse tão real, seria até difícil acreditar. Eu espero de verdade que a novela aborde o tema da forma como ele merece ser abordado, e que não caia nos mesmos clichês de sempre, que não acabe sendo um desserviço completo. Já passou da hora das pessoas encararem assédio com a seriedade que ele merece, e ninguém precisa ver mais alguém relativizando o problema.

    TE AMO <3

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  4. O que me deixa mais triste, desesperada até, é que a novela realmente mostra a realidade, inclusive a pior parte dela, que é a de que há mulheres que acham que a vítima tem que calar a boca, abaixar a cabeça e se comportar, não fazer barraco, muito menos por uma "besteira" dessa. Porque é um crime tão comumente praticado que lutar contra é tido como maluquice, histeria. E, meu deus, homi adora chamar a gente de louca, desequilibrada, porque tá naqueles dias, ou simplesmente porque teve a desgraça de nascer mulher. Nos deslegitimam em tudo. Tanto na sala de aula quando você questiona o professor bonzão que todo mundo ama, mas que insiste no argumento nojento de que você "chora" por tudo ou que tá na porra daqueles dias, seja na sua própria casa com seu padrasto te humilhando verbalmente e sua mãe não o pondo pra fora de casa quando essa é a única reação que você esperava nela.
    Eu nem espero mais que eles problematizem o negócio, eu cansei e parei de assistir, mesmo porque a novela tá realmente chata.

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  5. Oi, Ana! Eu não assisto novela por uma série de motivos, mas a preguiça que eu sinto dessas coisas é reiterada em qualquer lugar [novela, série, filme]. Eu acho incrível que, em pleno 2015, as pessoas ainda achem ok reproduzir essas merdas como se fosse normal. Eu acho que sim, é uma reprodução das mesmas merdas que acontecem na vida real, mas como um veículo de informação e entretenimento que atinge tanto a população, de todas as classes sociais, seria melhor que eles pensassem duas vezes antes de reproduzir isso. Pensassem sobre o impacto que isso vai ter naquela criança ou adolescente que passou pela sala às sete da noite e viu uma garota ter o vestido rasgado e ser motivo de piada. Seria melhor gastar esse tempo ensinando e mostrando que quem faz isso deveria e é punido, que a sociedade acha feio, que tá errado. É uma utopia pra maior parte das pessoas, mas tem muita gente (vide nós, lindas e maravilhosas) que acredita nisso. E eu sou otária, eu tenho fé que as coisas vão melhorar e que esse tipo de atitude vai ser tratado da forma que tem que ser tratado -- com seriedade.

    E se a Globo, sendo a Globo, começasse a mostrar, mesmo que em ficção, que essas merdas são erradas, talvez alguém em algum lugar pense duas vezes antes de achar que aquilo é normal.

    O negócio é desconstruir aos pouquinhos, e em todos os meios.

    Beijo! ♥

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