segunda-feira, 20 de julho de 2015

O que eu sonhei para o meu avô

Eu sonhei que, depois de tantos anos de vida tão intensamente vividos, um dia ele colocaria a cabecinha no travesseiro, depois de dar boa noite pra todo mundo, e não acordaria mais. Assim, como um sopro. Um incomodozinho no peito no meio da madrugada e ele fecharia os olhos ainda antes de conseguir acordar minha avó para reclamar. Foi isso o que eu sonhei pra ele.

Só que, se tem uma coisa que eu aprendi na vida, é que tem sonhos que são mais importantes que os meus. Eu queria que vovô, um dia, depois dos 100 anos, morresse daquele jeito ali descrito. Infelizmente não foi assim. E por mais eu que eu quisesse, e talvez, até ele, entendi que meu sonho era o menos importante para o momento.

Meu avô descansou domingo passado, aos 92 anos e meio, após eternos 45 dias dentro de um hospital. Nesses 45 dias, que nunca imaginamos ter que passar, aconteceu de tudo um pouco. Idas, vindas, esperanças e desesperos. Foram esses 45 dias que não queríamos viver que, com certeza, fizeram meu avô ter convicção de que foi muito amado, de que sua família nunca o abandonaria. Foram esses 45 dias, também, que possivelmente salvaram a vida da minha avó.

Em 45 dias todos os 14 filhos do meu avô fizeram escala no hospital. Cada dia era uma dupla. Todo mundo se despediu, beijou a testa dele, disse que amava e que estaria ali para ele. Alguns netos tiveram a chance de fazer o mesmo, também. Eu não – mas eu dizia tudo isso para ele por telepatia todos os dias, e consegui dizer, um dia, pelo Skype. Obrigada, tecnologia.

Esses 45 dias começaram com minha avó dizendo que se ele morresse ela morreria junto. Em 45 dias ela teve tempo de se desesperar, de fazer birra, de dizer que ia junto, de se voltar contra o mundo, e de começar a encontrar – e acreditar – num caminho que fosse possível de ser traçado sem o meu avô. Não é fácil, foram quase 60 anos de casamento. Se eu não consigo nem imaginar o que são 60 anos de vida, imagina 60 anos ao lado da mesma pessoa, compartilhando tudo. Não é como arrancar um bandaid. Talvez, inclusive, seja mais fácil colocar fé na vida sem um braço do que sem essa pessoa, mas esse tempo serviu para ela entender que talvez desse.

Dói. Dói pra todo mundo. Dói para os filhos, dói para os netos, para os bisnetos, dói. Mas eu topava sentir o dobro da dor se pudesse tirar com a mão a dor da minha avó. Não dói para ninguém como dói para ela. Mas esses 45 dias com os quais eu nunca sonhei foram muito importantes. Ela teve tempo de assimilar a ideia antes que ele apagasse de repente e ela preferisse ir junto. A tristeza, acredito, infelizmente nunca mais vai embora. Por mais que ela ria conosco, que nos abrace, que brinque, tem horas que fica quietinha olhando para o vazio e aí a gente sabe. A presença da ausência latente do amor da sua vida nunca vai sair dali. Faz parte.

Eu sonhei para o meu avô que um dia, com mais de 100 anos, ele fechasse o olhinho e fosse embora. Ele se foi pelo menos 7 anos e meio antes, depois de dias terríveis. E nós todos, com certeza, queríamos ter tido mais tempo. A gente sempre quer mais tempo. Mas tinha que ser assim e mesmo no meio da dor deu para entender a lição. A lição e a poesia. Tem sonhos que são realmente mais importantes que os nossos. E os planos do universo, então, são maiores ainda. Só tem uma coisa que é maior que tudo isso: a saudade.

Então perdoa a gente, vô. Perdoa quando a gente chorar ao invés de sorrir. Perdoa quando estiver difícil demais. Perdoa a vovó se ela perder o prumo vez ou outra e falar umas bobagens. É que viver com saudade é difícil demais, às vezes. Mas vai ficar tudo bem. Olha pra gente daí. Olha pra família mais linda do mundo que você construiu. E sorria. Sorria até quando a gente chorar – porque quando a gente chorar é amor também. E amor é tudo o que importa. 

11 comentários:

  1. Ai, amiga, tô chorando, mas tô chorando porque seu texto é lindo. Separações são sempre difíceis, e a gente só pode conjecturar se seria melhor assim ou assado, mas no fim a gente sempre vai sofrer e ponto. Mas concordo que geralmente esse tempo de "transição", essa saída de cena mais lenta e anunciada é menos traumática e mais fácil de aceitar para quem fica, porque dá tempo de se despedir e, na medida do possível, aprender a se acostumar com a ideia. É tipo andar de bicicleta sem rodinha, ter a mão segurando o banco enquanto você aprende a se equilibrar, até que você já está mais ou menos firme e então ela solta.
    Amo você e tenho certeza que seu vovô está sempre de olho. E ele sabe que mesmo quando vocês choram, e "só" saudade.
    Beijos <3

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  2. "É que viver com saudade é difícil demais, às vezes... " Ler esse texto foi sofrido demais, passei por algo parecido semana passada.... É natural eles irem antes que nós mais eu não queria nunca sentir essa dor.

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  3. Ai, amiga, chorei lendo o texto porque ele é lindo e porque eu me identifiquei tanto com ele. A morte é uma coisa pesada. É difícil acreditar que temos que lidar com algo tão triste na nossa vida e nos separar de pessoas que amamos muito. Mas eu sei que numa família tão maravilhosa quanto essa que seu vovô construiu, vocês vão encontrar o conforto necessário para passar por isso juntos. Seu vovô vai estar lá cuidando de vocês, amiga, pode acreditar.
    Te amo! <3

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  4. Ai amiga :~~
    É importante saber que embora nos nossos sonhos a gente queira sempre o melhor praqueles que a gente ama, Deus e a vida sempre sabem mais. Esse tempo dele no hospital, apesar de tão sofrido pra vocês, foi importante pra tantas outras coisas, né? Ninguém morre de véspera. É difícil viver com a saudade, mas vai melhorar. Daqui uns dias vai ser uma saudade gostosa de quem conheceu e foi amada por uma pessoa incrível, e os dias ruins serão menos frequentes que os bons. Vocês precisam continuar.
    Fica bem, fica firme.
    te amo muito!

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  5. Eu queria te dizer uma porção de coisas agora, algumas eu até já disse e você deve ter cansado de ouvir, mas vou sossegar dizendo apenas que: queria estar te abraçando bem forte agora. Eu entendo demais o que você tá passando e nada que eu diga vai ajudar de verdade, mas agora é a hora de você pensar em tudo de bom que seu avô deixou aqui e como foi maravilhoso ter ele na sua vida. A saudade não vai embora nunca, mas a gente aprende a lidar com ela. E acredite que ele vai estar sim olhando e cuidando de todos vocês. Sempre.

    Te amo muito <3

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  6. Quase chorei aqui :( Lamento muito pela morte do seu avô, imagino que deve ser algo muito ruim de se passar. Espero que sua avó volte a ficar bem e que toda a família fique muito unida para todos consolar uns aos outros. Acho isso importante.
    Fique bem!

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  7. Ai Ana, estou em prantos com esse texto lindo e cheio de amor dentro.
    A gente nunca está preparado para perder alguém incrível e que a gente ama imensamente, nunca, mas como disse, os dias que ele passou no hospital, por mais que tenha sido doloridos pra vocês e pra ele, serviu para suavizar minimamente a dor que viriam a sentir.
    O de repente, o dormir e não acordar, o infarto no meio de uma sopa, o acidente de trânsito no meio do nada é um bandaid arrancado enquanto a gente tá distraído e esse susto, Deus do Céu, como faz crescer a dor!
    Mas olha, pode não parecer, mas logo a dor se transforma, de dorzona pra dor, depois pra dorzinha e lá na frente, em uma saudade bonita.
    Pode ter certeza que lá do Céu ele está olhando por vocês, esperando o momento em que todos nos reencontraremos, de algum jeito.

    Fica bem! Um abraço bem apertadinho! E muita oração pra vocês e sua vovó. ♥

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  8. Tem uma música que eu ouvia muito quando a minha avó se foi, que diz que "se chorei de saudades não foi por fraqueza, foi porque amei. E se amei, quem vai me condenar? Se eu chorei, quem vai me criticar? Só quem não amou, quem não chorou, quem se esqueceu que é ser humano, quem não viveu, quem não sofreu... só quem já morreu e se esqueceu de deitar".
    Nada que eu fale vai fazer com que você tenha menos saudade ou sinta menos dor. Mas, eventualmente, a gente aprende a conviver com a falta, a amar mesmo na ausência e a conversar com esses seres que viraram luz, tendo a certeza de que eles continuam a nos iluminar.
    Muita força pra você e pra toda a sua família.
    Abraços!

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  9. Seu avô descansa com Deus e não pode nos ver ou saber o que se passa aqui. Temos que focar nossas forças nos que ficam para que possamos enfrentar o momento de dor da melhor forma possível.
    Cuide bem da sua avó.
    Bj e fk c Deus
    Nana
    http://www.procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

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  10. Analu (olha as intimidades), que texto mais lindo. Como dói na gente ter de se defrontar com esses momentos, né? Esses dias eu tava comentando que as pessoas que são boas e amadas não deveriam partir jamais. Quanto mais tempo a gente tem pra aproveitar essas presenças maravilhosas, parece que a gente sempre quer mais tempo, até poder se estender ao infinito. É uma pena que a gente não possa, mas quem vive uma vida plena deixa na gente uma coleção de boas memórias pra gente escolher reviver quando a saudade aperta.
    um abraço virtual apertado pra você!
    :**

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  11. Ler isso fica mais difícil a cada dia. Ele olha por nós.

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