segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Queimando o livro

Se tem uma coisa que eu adoro caçar na literatura, essa coisa é a narrativa diferenciada. Em português claro, amo autor que inventa moda. Plots diferenciados já me chamam a atenção, mas se a mudança for na forma de narrativa a chance de eu buscar o livro é um tanto maior. Foi assim que eu comprei Cartas de amor aos mortos logo que ele começou a estourar por aqui, mesmo já tendo lido algumas resenhas não tão positivas por aí. Comprei e acabei deixando ele de lado na estante e fui lendo outras coisas, até que decidi que estava na hora.

Se eu pudesse usar apenas uma frase para defini-lo, essa frase seria: Minha Nossa Senhora do plot mal aproveitado. Porque, gente, cartas de amor aos mortos. Podia ter tanta coisa genial. Tanta coisa subjetiva. TANTOS mortos diferentes que gerassem diferentes significações por parte da personagem, mas não. Tudo bem que a personagem em questão tem 16 anos e diferente dos adolescentes de John Green, é uma adolescente bem típica, cheia das questões superficiais e quase nada existencialistas. O detalhe é que ela perdeu a irmã, e vive sua vida pensando nesse assunto pois tem certeza que teve culpa nessa morte.

O livro fala, em suma, de questões da adolescência: colégio, amizades, experimentações e encrencas familiares. Tudo isso, logicamente, com o toque a mais da morte de sua irmã. Embora eu tenha achado que o plot poderia ser brilhantemente mais explorado se a adolescente fosse existencialista e gênia OU se o personagem fosse bem mais velho, entendo que esse livro não foi escrito exatamente para a minha idade e respeito o fato de que talvez essa escrita não tenha sido mesmo feita para ME atrair, embora ache que o público que tenha sentido curiosidade foi justamente o público do YA. A autora não aproveitou um décimo da significação que poderia ter aproveitado com a escolha das pessoas mortas e a escrita das cartas, mas tudo bem, podemos seguir em frente. Achei os personagens muito mal explorados também: o esqueleto deles era bem bacana, e ela largou de mão a chance de desenvolvê-los, bem como aprofundar suas questões. Sobre a história de amor instântanea e mal fundamentada de Laurel e Sky também não vou comentar, porque eu não costumo ter grandes problemas em engolir histórias de amor que começam do nada, de forma que sei muito bem que o que me transtornou durante todo livro foi a ineficácia da autora em respeitar o gênero que ela mesma propôs.

Sua ideia é escrever um livro inteiro de cartas? Vai ser difícil, mas faça isso direito. Ava fez exatamente o contrário. O livro é inteirinho de “cartas”. Inteirinho. Não tem um trecho dele que não seja uma carta. E foi, ao meu ver, bem aí que a autora errou. Em Claros sinais de loucura, por exemplo, a proposta era escrever cartas para um personagem de seu livro favorito e a menina escrevia as cartas espaçadamente, complementando a história. Em Cartas de amor aos mortos, não. É só carta, carta e mais carta. E ao querer narrar a história de um livro inteiro só em cartas, a autora desvirtuou completamente o gênero proposto! Vocês já receberam cartas com mais de uma página de diálogos inteirinhos? Pois é, nem eu.

Além dos diálogos na íntegra, na grande maioria das cartas a autora ignorava totalmente a existência de um destinatário! São raríssimos os casos onde ela realmente aproveita a história do morto a quem a carta se dirige para contribuir com a história. Num geral, ela apenas jogava um motivo para a escolha do destinatário logo no início e depois se perdia completamente. Exemplo: "Querido Kut Cobain, hoje rasguei seu pôster da parede do quarto da minha irmã" e então ela mudava completamente de assunto. Isso começou a me irritar de tal maneira que toda vez que eu abria o livro eu acabava com vontade de tacar ele na parede. Muito fácil querer enganar o leitor prometendo uma narrativa diferenciada e apenas colocar: “Querida Elizabeth Bishop” no início e “beijos, Laurel” no fim para dizer que se tratam de cartas, sendo que o que vinha entre a dedicatória e a assinatura absolutamente não era uma carta.

A história do livro não é de todo ruim. Como eu disse, fala majoritariamente sobre adolescência, e não faz isso de uma forma que fique aquém a muitos livros de adolescentes que vemos por aí. Além disso, o livro fala de morte e de abuso sexual, o que, por definição, seria um ponto positivo a mais por propor o debate de assuntos mais sérios. O livro poderia ser 3 estrelas beirando 4 se Ava não tivesse subestimado totalmente a inteligência do leitor crítico e inventado uma narrativa por cartas que ela absolutamente não conseguiu cumprir. Acho que o que mais me irritou foi o fato de ter passado o livro todo me sentindo enganada. Quando eu compro um livro de cartas eu quero ler cartas e não uma narrativa fantasiada com beijinhos no fim de cada capítulo. É pedir muito?

11 comentários:

  1. Vou logo dizendo que esse título de post é assustador! hahahaha
    Ai, eu esperava bem mais desse livro pela sinopse, mas me decepcionei muito agora que li sua resenha. A ideia realmente foi boa, mas se a autora não soube aproveitar isso, que desastre!
    Agora eu fiquei pensando se já li algum livro em formato de cartas e acho que não? Mentira! Li aquele Vita brevis, de Jostein Gaarder, de cartas da ~suposta~ mãe do filho de Santo Agostinho, mas isso foi há tanto tempo que nem lembro de nada, só que foi uma leitura bem difícil daquelas vou-deixar-pra-entender-isso-no-futuro.

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  2. De fato, quando você falou o título do livro, fiquei com vontade de ler. Cartas aos mortos parecem prometer tanto que eu entendo como deve ter sido frustrante constatar que não são cartas de verdade. Dá até vontade de escrever uma coisa assim, do jeito que deveria ser. Ideias para um post futuro. Hahaha!

    Sobre o filme, lá no blog, não foi tanto sobre gostar ou não do filme (nem li o livro), foi mais as coisas que eu pensei assistindo. No geral, nem teria sido um filme do qual eu falaria, porque não é nem um pouco diferente de vários outros por aí. É só bonitinho. Então, o post foi sobre esses pensamentos, não sobre o filme.

    Beijos

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  3. Só li coisa ruim desse livro, meldels.
    Ainda não o li, mas nem tenho vontade, para dizer a verdade. Porém: li Claros Sinais de Loucura e, gente, o livro ficou cheio dos post-its. ♥ Muito amor por aquele livrinho.

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  4. Amiga, te prometi mimo, e mimada você será agora!
    Eu tinha até baixado esse livro, mas vou apagar, hehehehe, porque não vou conseguir viver com essas cartas mentirosas. Nem li, mas entendi tudo, a autora quis ser legal contando uma história banal e pensou: vamos fazer diferente. Vamos colocar em cartas! Aí eu só divido a história toda entre uma carta e outra e pronto.

    Já peguei abuso <3
    Amo você, moh <3

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  5. Amiga! Já disse quase tudo lá na sua janela no Facebook, mas se eu estou na página SETENTA E SEIS e já concordo, nem quero saber o que me espera até o final. Muito triste ver um plot promissor desses tão mal aproveitado :( Milena vai chorar quando ler esse post, tadinha. Ela comprou faz pouco tempo e eu já tinha acabado com metade da vontade dela de ler. Acho que seu texto vai terminar o serviço. Bexos <3 Amo você!

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  6. Caso não seja a maior, "Cartas" "de amor" "aos mortos" figura no meu top 5 de maiores decepções literárias. O título, a ideia e a sinopse faziam o livro ficar tão interessante antes da leitura... (a capa não, sempre me deu asco)
    Passei a resenha inteira aguardando pela foto desse livro se transformando em cinzas, principalmente pela história do abuso sexual que traz um desenvolvimento bem diferente dos ideais que acredito, e não poderia deixar de expressar meu desapontamento aqui, senhorita.

    beijo*
    andrecefalia

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  7. Eu não estava suuuper interessada nesse livro, mas já tinha decidido que colocaria ele na minha cestinha na próxima compra. Só que agora vou confiar no teu parecer, pois se tem algo que me me deixa irritada num livro, são as coisas ditas que posteriormente não terão nenhum propósito :***

    www.eususpiro.wordpress.com

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  8. AMADORAAAAAA
    enfim, de volta à programação normal
    Você e Tary destruíram esse livro pra mim. Tava com muita vontade de ler quando comprei, mas de repente comecei a achar que não seria tudo isso. Aí Tatá me fala que não tá gostando e aí esse post. Como gostar agora? Forever biased.
    O mínimo que peço de um livro é que ele entregue aquilo a que se propõe. Se são cartas, quero ler cartas. Com plot envolvido ou não, quero cartas. Não pode entregar uma grande mentira. E me sentir enganada é a pior coisa ao ler um livro.
    Acho que não consigo ler agora de jeito nenhum D:
    Beijo <3

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  9. Aah, isso acontece muito comigo! Quando o livro promete plots ou personagens diferenciados (ou do estilo que me interessa), mas não cumpre com isso. É irritante e a razão para a maioria das minhas decepções literárias. Eu fico extasiada quando a história é tudo o que propõe ser, e fico no chão quando é mais.
    Ótimo post!
    Bjs
    sete-viidas.blogspot.com

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  10. Amiga, eu devo ter um tipo de doença que me deixa desesperada pra ler um livro quando alguém fala muito mal dele. Tipo Vidas Trocadas. Nem você nem Dedê me recomendaram, e meu Deus eu li aquela bosta de mais de 500 páginas sabendo que ia ser ruim e odiando desde o começo. Toda a vontade em banho maria que eu tinha de ler Cartas de Amor... virou urgência depois desse texto? Virou sim.

    Sabe, enquanto você falava, comecei a lembrar das aulas de redação, quando estudávamos carta pro vestibular. E o que os professores mais pegavam no nosso pé era pra não fazer o que essa moça pelo visto fez: montar a estrutura de carta no começo e no fim, e esquecer do certo. Claramente não brilharia no Enem, hahaha.
    beijo! <3

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  11. Não estava com vontade de ler esse livro e depois dos seus comentários, nem vou me dar ao trabalho de colocar na lista. É tão ruim quando um autor não consegue aproveitar o potencial do livro, né?

    Acabei de ler um do Murakami que achei que seria sensacional e terminei com várias interrogações. Ele escreve super bem, isso é inegável, mas muita coisa na história se perdeu e não se explicou.

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