quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Ensaio sobre a fita crepe

Já quero deixar bem claro no início do texto que eu não faço a menor ideia do que é um ensaio. Absolutamente não compreendo esse gênero textual – e talvez exatamente por isso o ache extremamente intelectual e sofisticado, de modo que resolvi usá-lo no título do post apenas por esse motivo (#maturidade). Sou uma fraude, mas pelo menos me entrego logo de cara. Findo este informe, creio que posso prosseguir com meu assunto sem causar desilusões a ninguém.

Quando eu estava no colégio em que passei grande parte do meu ensino fundamental e médio, tínhamos anualmente uma feira cultural. Muito bonita e interessante para quem visita – totalmente tenebrosa para os alunos que tem que organizá-la. Com o passar dos anos eu fui aprendendo a remar e ficando mais calma, mas no meu primeiro ano de feira eu jurei que ia acabar infartando, tamanha a quantidade de pesadelos que tive com o tal do moinho hidráulico (sim) que um grupo de 4 crianças pessoas de 12 anos tinha que montar (SIM). ENFIM, o ponto não é esse. O ponto é que lembro que no dia da feira precisaríamos pregar cartazes e outros itens de decoração em nosso stand e eu pedi para minha mãe que me emprestasse a fita lá de casa. A resposta que se seguiu foi:

- Está aqui a fita crepe. E ACHO BOM ELA VOLTAR PARA CASA COM VOCÊ.

The thing is: trata-se de mim. Eu, Ana Luísa Bussular Marques, muito prazer, que passava o ano escolar inteirinho repondo ao estojo os itens perdidos. Borrachas que rolavam no chão e nunca mais apareciam, apontadores, lapiseiras, caixas de grafite novinhas, a maldita da tesoura (que minha mãe reclamava mais, porque custava mais caro) e coisas afins. Com essa simples introdução vocês já entenderam que a fita crepe não voltou para casa. Na verdade, eu até voltei com uma fita crepe para casa – que não era a nossa, pois estava no finzinho, toda amassada e meio úmida, porque eu a encontrei no chão da sala ao fim do dia. A da minha mãe era branquinha, limpinha e novinha.

Ou todos os alunos da classe resolveram usar a fita da minha mãe ou eu realmente peguei a de alguém por engano na hora de voltar para casa, mas o fato é que minha mãe não se convenceu com aquilo que eu devolvi para ela e eu passei HORAS escutando sobre a minha falta de cuidado com as coisas. Mas cacete, pensava eu, era só uma porcaria de uma fita crepe.

Dez anos depois de tudo isso eu fico feliz em comunicar à Analu do passado que sim, sobrevivemos a todas as feiras culturais seguintes (e possivelmente perdemos mais algumas fitas crepes pelo caminho) e que agora estamos formadas em jornalismo e trabalhando em uma instituição de ensino. E o que isso tem a ver? Então. Dentro das minhas funções no trabalho está a atualização de todos os murais da escola. Colar avisos, colar cartazes, colar fotos por aí e coisas do gênero. Ainda não encontraram o ponto? Eu esclareço: A fita crepe.

Aos 12 anos eu não entendi o sermão da minha mãe porque para mim a fita crepe era algo que estava perfeitamente ok de se perder por aí. Por favor vai, não era assim uma tesoura. Era só uma fita crepe! Era só comprar outra e podíamos sobreviver muito que bem até essa compra. Aos 22, tendo que dar conta da manutenção de murais, eu só peço ao Senhor que perdoe a menina de 12 que subestimava a falta da fita crepe - ela não fazia ideia do que estava dizendo. Hoje a fita crepe se tornou o meu maior tesouro. E todos os alunos e funcionários dessa escola descobriram isso.

A maior alegria da minha vida é quando fazem pedido à papelaria e eu ganho uma fita crepe novinha. A maior tristeza é quando, geralmente mísero 01 dia depois dela chegar, alguém me aparece com cara de cãozinho abandonado  na minha mesa e pede a minha fita emprestada. Se tem uma frase que eu aprendi a ODIAR ouvir nessa vida essa frase é: “Tem fita crepe para me emprestar?”. Não sei porque perguntam. Todo mundo sabe que eu tenho fita crepe. E é esse o problema. Porque eu consigo fazer manha, consigo enrolar, consigo dizer que não deveria emprestar mas no fim não consigo lidar com a pessoa me pedindo e eu negando, de forma que eu sempre empresto. E eu sempre digo: 

- Quero essa fita de volta em 5 minutos contados no relógio. 

E o fato é que ela só volta em 30% dos casos*. 

Já tentei dizer que cobraria por pedaços. Comecei eu mesma a cortar o pedaço e dar na mão da pessoa. Cogitei até, vejam, ir atrás da pessoa com a fita crepe no pulso bradando um “Se quiser minha fita crepe vai ter que me levar junto”. (Qualquer semelhança com isso aqui é mera coincidência).

Trouxe você, querido leitor, até aqui para dizer que esse texto (ou melhor, esse ~ensaio~) não tem conclusão nenhuma. Aliás, tem sim: quando você é adulto você descobre que fita crepe is the new estojo com as 30 cores da caneta de cheirinho, o que em português claro quer dizer “o símbolo maior da ostentação pessoal”. Eu tenho minha própria fita crepe, e todo mundo me ama quando precisa dela. E eu sempre empresto, de forma que acabo sem, chorando no pé da responsável pelo setor de compras para que ela faça logo um novo pedido à papelaria. É um looping infinito e por isso eu acredito que tenha o direito de encerrar esse post fazendo um apelo utópico da maior importância: um mundo ideal seria um mundo onde cada pessoa teria seu próprio rolo de fita crepe e andaria com ele no pulso, para não precisar pedir a do colega emprestada nem em casos de extrema urgência.


Pela sua atenção, obrigada.

* Dado numérico concluído após chute deliberado longas análises estatísticas e diversos cálculos

14 comentários:

  1. SENSACIONAL, Ana!!!! Ri alto aqui lendo o seu texto!

    Ah... e como esse mundo dá voltas, né mesmo? Eu me coloquei no lugar da sua mãe, coitada, esbaforida de raiva porque você perdeu a fita crepe. Sabe que é especialidade de mãe fazer show por coisa pequena, né?

    Engraçado que, pra mim, a lição de moral da sua crônica (ops, ensaio!) foi justamente isso: não estressar com coisas pequenas? Mas o ser humano é muito engraçado mesmo, e esquece as lições assim que a criança anuncia que perdeu o rolo da fita (ou derrubou a água ou a migalha do pão no chão). Altos traumas! :)

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  2. Também não entendo bulhufas de ensaios, mesmo acho deveras sofisticado. Então quando vi que você tinha postado um ~ensaio~ sobre uma fita crepe já fiquei no melhor mood "uau". Se é que "uau" é um mood, mas enfim, cê entendeu. Continuo sem saber wtf é um ensaio, mas seja lá o que ele for, amei o seu.

    Gente, fita crepe! Faço nem ideia de quanto tempo faz que não uso uma dessas, mas certamente era must have na época do colégio. Pelo menos na época dos trabalhos e Feira de Ciências. Momentos.

    Hoje eu vi na Fátima (sim) um papo sobre a gente fazer com nosso filhos coisas que a gente jurava de pé junto que não ia fazer, porque não conseguíamos entender porque diabos nossos pais faziam aquilo. Não tenho filhos (amém), mas hoje me vejo fazendo um tanto de coisas que minha mãe fazia e eu julgava horrores. O mundo dá voltas, como dá!

    beijo! <3

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  3. HAHAHAHA ri demais com o teu ensaio eu tenho esse problema com canetas que eu nunca tenho quando quero escrever e por ultimo foi uma colaa bastão que sumiu nesses empréstimos...#mimimi

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  4. Quando eu achava que uma fita crepe era só uma fita crepe, me vem você me contar essa história. Inclusive, MELHOR história.

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  5. Também não sei exatamente o que seria um "ensaio", sendo que esse é o nome do meu blog hahaha.
    Enfim... no meu ensino fundamental, o meu colégio também tinha feiras e eu adorava haha. A gente tinha que expor várias experiências, trabalhos e tal e sempre tinha isso de pegar fita crepe, tesouras emprestado e a pessoa perder. No meu caso, sou a pessoa que fica esperando a fita crepe rs.
    Beijo
    http://www.deborabp.wordpress.com

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  6. No meu primeiro ano de faculdade, na matéria de desenho arquitetônico, a fita crepe estava na lista de materiais. Usávamos para fixar as folhas de desenho na mesa para que elas não ficassem sambando enquanto a gente desenhava. Sendo assim, comprei meu rolinho. Só que, pelo visto, tinha sido a única e o rolinho não durou a primeira aula e sumiu. E eu, que sempre fui muito cuidadosa com as minhas coisas, fiquei indignadíssima com o pessoal, e desde então passei a esconder minha fita crepe. Tipo "my preciousss", e não emprestava pra mais ninguém.

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  7. A problemática do ensaio. hahahaha
    Se todos os ensaios fossem tão gostosos e engraçados como o seu, o mundo seria um lugar melhor.
    Minha mãe não era nada boba e jamais emprestava coisas pras feiras da escola. Ela já ficava puta da vida de ter que ir e voltar pra me buscar 20 vezes no dia em dia de feira, imagina se fosse perder a fita crepe ou o durex pra isso. O problema lá em casa eram as vasilhas em dia de festinha. Ela mandava a comida pra não fazer papel de mãe relapsa na frente das outras mães, mas avisava que se não trouxesse a vasilha na volta, nem precisa voltar. #dramas #câmeranohopihari
    Prometo nunca nunca NUNCA te pedir sua fita crepe emprestada.
    E que delícia de texto. <3

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  8. Nunca soube que fita crepe era um assunto tão sério, mas prometo a você e à tia Mônica que vou levar a sério agora. E prometo que nunca vou pedir sua fita, mas que tudo o que eu peço sempre volta. Se quer me deixar raivosa, é me pedir coisa e não devolver.

    Enfim, de agora em diante aprendi: fita crepe é assunto sério.

    Adorei seu ensaio <3

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  9. Olha, eu nunca enxerguei fita crepe com tanta seriedade como depois que li seu texto. E consegui sentir sua dor, ao ter que emprestar a fita crepe e saber que muito provavelmente ela não vai retornar. Esse também pode ser um ensaio sobre como o mundo dá voltas: ontem sua mãe, hoje, você.

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  10. Eu também tenho um digamos 'problema' com fita crepe, principalmente se for dupla-face. A sua reflexão sobre as voltas que a vida dá, me divertiu bastante, obrigada!

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  11. AI MEU DEUS, FITA CREPE IS THE NEW ESTOJO COM CANETAS DE CHEIRINHO. EXATAMENTE. TÔ AQUI RINDO, CHORANDO E TE AMANDO AINDA MAIS E ME PERMITO COMENTAR EM CAPS LOCK POR MOTIVOS DE JESUS AMADO COMO VOCÊ É SENSACIONAL. TAMBÉM NÃO SEI O QUE É UM ENSAIO DIREITO, FICO CONFUSA A MAIOR PARTE DO TEMPO A RESPEITO DISSO. MAS TE AMO. OBRIGADA POR ESSA E TODAS.

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  12. "quando você é adulto você descobre que fita crepe is the new estojo com as 30 cores da caneta de cheirinho"

    Amiga, você é sensacional. Não sei o que é um ensaio também, mas já digo por aí que o seu é melhor que todo o resto. Nunca tive uma relação especial com a fita crepe, e olha que eu era a louca das feiras culturais na escola. Uma coisa que eu achava um símbolo de ostentação era uma pistola de cola quente, me senti muito gente grande quando ganhei uma e definitivamente senti meus status na escola mudar quando levei a minha cola quente pra feira, e não precisei mais esperar horas e horas na fila pra usar como o resto dos mortais.

    beijos <33

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  13. Ri muito com seu 'ensaio'. hahaha

    Quando eu era criança, era daquelas chatas que nunca perdia nada e ficava puta da vida quando outras pessoas perdiam as minhas coisas, aí muitas vezes não emprestava. Hoje, meu apego a coisas diminuiu. Só não empresto quando é muito caro ou, quando são instrumentos de trabalho, eu fico atrás até a pessoa devolver.

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  14. Se rhyca eu fosse, te mandava uma caixa de fita crepe nesse minuto. Melhor ensaio que eu já li na vida.

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