Durante a minha vida eu já conheci gente de vários tipos. Gente que traz diversas histórias de vida na bagagem e que podem ser colocadas juntas em muitas categorias que eu abro sozinha na minha mente para que tudo se encaixe. Dentro de uma dessas caixinhas organizadoras, se eu parar para pensar, consigo lembrar de algumas que praticamente não conheceram os avós. Algumas que carregam pouca coisa na memória, ou que, em alguma conversa sobre família, acrescentam aquele dado meio-chateado-meio-indiferente: ah, meu avô morreu quando eu era bem novinho, não me lembro dele.
Faz um mês que o vovô morreu. Parece que foi ontem, parece que não vai ser nunca, mas foi há 1 mês. No dia 12 de julho estávamos (quase) todos juntos, chorando e nos despedindo de um dos grandes amores de nossas vidas. No meio de um tanto de família e um punhado de netos, vocês dois eram os únicos que sorriam. Você, Laura, e você, Gabriel, com respectivamente 1 e 2 anos, eram as únicas pessoas leves do ambiente. O coração de vocês não estava em cacos. Era invejável.
Confesso que, em um primeiro momento, quis ser um de vocês dois. Quis correr no quintal sem saber do que se tratavam todas as caras tristes. Quis botar a cabeça no travesseiro sem que uma aura cinza me perturbasse e meu olho voltasse a chorar. Quis. Mas aí, num segundo momento, eu não quis mais. Não se pode ter tudo nessa vida, infelizmente. O mundo não é uma fábrica de realizações de desejos.
Vocês nunca vão passar pelo momento dilacerante de descobrir que perderam o vovô, que sorte a de vocês. Só que nós todos, os outros 29, temos a nosso favor a memória. A memória que guardamos de cada um dos momentos vividos. Eu não queria que vocês precisassem ser uma das pessoas que respondem que perderam o avô novinhas e que por isso não têm muito a falar sobre. Tenho certeza que os pais de vocês vão fazer o serviço deles direitinho e falarem sobre ele nos seus ouvidos, mas hoje me deu vontade fazer a minha parte.
Laura, Gabriel, eu não vou começar utilizando aquele clichê de dizer que o vovô foi um homem incrível. Se tem uma coisa que eu aprendi nos meus parcos 23 anos de vida é que todo mundo, quando morre, se torna incrível. Não vou transformar o nosso avô em mais um desses. Ele foi, apenas, um homem normal.
Um homem normal que viveu 92 anos e meio, tinha pouco mais de 1 metro e meio de altura e muito pessimismo dentro de um corpinho tão pequeno. Vocês precisavam só ver, ele achava que nada iria dar certo. Nunca. Se alguém resolvia ir até a padaria no meio da tarde, não ia dar certo: já tínhamos pão demais em casa. Se esse alguém desistisse de ir à padaria, também não daria certo: pensando bem, faltaria pão.
Ele era quase careca, mas seus poucos e finos fios de cabelo eram mais escuros que os de muitos quarentões que eu conheço. Ele andava com os cabelos sempre alinhadinhos e, quando saía no sol, colocava uma boina por cima. Ele estava quase sempre de camisa social e geralmente tinha uma caneta no bolso da frente, caneta esta que ele não gostava de emprestar porque, vejam só, não daria certo: dificilmente quem pegou emprestado devolveria.
Se ele fosse usar essa caneta na frente de vocês para anotar algum recado, vocês espiariam e dariam risadas. Sim, ele escrevia telephone com PH em pleno século XXI e não acaba por aí. Muito provavelmente ele escrevia pharmácia também. Não é lindo? Eu podia ter sido uma dessas pessoas assim, de raiz, e não ter me desapegado tão fácil do acento de ideia. Sim, ideia era acentuado, acreditam?
O vovô parecia todo sério na maior parte do tempo, mas se abria para a gente quando a gente sabia pedir. Por experiência própria eu digo que dar um sorriso, beijar a bochecha dele e falar que ele era um gato resolvia quase todas as minhas pendengas. Até a caneta ele me emprestava quando eu pedia direitinho, mas acreditem em mim: vocês iriam querer beijá-lo mesmo quando não quisessem nada em troca.
O vovô sentava sempre no mesmo lugar na mesa e reclamava do prato de todo mundo que não se servia das verduras. Acho que vai demorar um tanto de tempo para eu sentar naquela mesa e não sentir ele julgando as minhas escolhas. Batata frita demais, rúcula de menos, essas coisas que, até eu assumo, não tem como dar muito certo mesmo.
Ele aparecia do nosso lado, vez ou outra, contando causos do arco da velha. Eu e João Gabriel tivemos, por exemplo, a oportunidade de escutar a história da única vez que ele foi expulso de sala de aula e o inspetor (Arquimimo Gonçalves, se vocês querem saber) ficou impressionado, porque ele nunca aprontava. Ele também adorava dar pitacos sobre nossa vida acadêmica, seja qual ela fosse. Falava de reportagens comigo, de bichos com a Rafaela, cismava em dizer que o mercado de trabalho de engenharia química não era satisfatório e que por isso ele se preocupava com a Laís. Ele era um bom conversador, o vovô.
A vovó já trocou o nome de vocês? Ela sempre troca. Vive me chamando de Lisânia ou Luciana. Lembro de um dia que ela invocou de chamar a Beatriz de Míriam e fez isso umas 3 vezes seguidas. Foi muito engraçado. O vovô não fazia dessas não, ele era muito mais esperto. Quando queria chamar qualquer um de nós, gritava apenas "Ô MENINNNN, vem cá" e íamos. Percebam que a esperteza era tanta que ele nem completava a palavra com A ou O, éramos sempre "menins", apenas, e assim nem o gênero ele corria o risco de errar.
Quando alguém perguntar sobre o avô de vocês, vocês podem dizer que lamentavelmente ele partiu quando vocês eram pequenos ainda - mas que vocês sabem direitinho que ele era um homem normal, cheio de filhos, netos, bisnetos e histórias - e que apesar de achar que nada nunca dava certo, sua vida deu muito certo. Pensando bem, acho que no fim das contas podemos nos render ao clichê sem peso na consciência: ele era um homem normal e, por isso mesmo, era incrível. O vovô era incrível. Vocês saberão direitinho falar sobre esse assunto. Tenho certeza.
Rachei o bico com Meninnnns. HAHAHAH Esse era esperto, nem o gênero errava. Excelente texto!
ResponderExcluirAmiga,
ResponderExcluirEm um universo paralelo, eu estou agarrada n'ocê te dando um abraço bem forte até seu coração ser esmagado aí dentro. Tem muita, muita sensibilidade no teu texto e eu senti muito o amor que você tem pelo seu vovô. Eu sinto muita saudade do meu bisa e a única coisa que posso te dizer é: a saudade diminui e as memórias ficam cada vez mais intensas, servindo pra confortar a gente sempre que a saudade crescer.
Seu vovô era incrível. Ele é incrível ainda. E Laura e Gabriel saberão disso, tenho certeza, pois sempre terão alguém como você pra lembrá-los disso.
Te amo muito! Muito mesmo <3
Beijo
Simplesmente lindo esse texto, Analu. Lindo mesmo.
ResponderExcluirTô adorando acompanhar esse BEDA, tá demais :))
Beijo meu e da Agnes <3
Amiga, AMIGA, que coisa mais linda do mundo. ♥
ResponderExcluirEm cada letrinha desse texto tem um pedacinho do seu amor pelo vovô, pela vovó e pelos primos também. Me emocionei muito, porque fui dessas crianças que nasceram sem ter conhecido os vovôs, mas ouvi tanta história bonita deles que é como se eu os tivesse conhecido sabe? Me sinto próxima deles e sinto saudades até.
Seu João era incrível, por todas as normalidades que tinha na vida dele, por tudo que construiu, por todos a quem criou e tenho certeza que Laura e Gabriel saberão disso e se orgulharão.
Agora me diz quem tá sensível? Não tô dando conta, sério.
Tô há duas horas com a tela aberta, sem saber o que escrever.
Eu sou uma Laura e tive pessoas como você para me lembrar dos meus avôs, que também era pessoas normais, mas pra mim, eram incríveis. <3
E você também é incrível, amiga. E fico muito feliz de ter a oportunidade de ler este texto tão sensível e cheio de amor. ♥
Um abraço bem, bem apertado.
Ai amiga, fiquei tão mexida com esse texto.
ResponderExcluirEu tinha primos que eram muito pequenos quando meu avô faleceu e eles, infelizmente, não vão ter as mesmas lembranças que eu, assim como os seus não vão ter. Mas achei lindo você compartilhar suas lembranças, dizer pra eles como era o seu avô, como eram as coisas, pra que eles sempre saibam falar sobre isso. Foi muito lindo, de verdade. Queria muito poder te abraçar agora.
te amo <3
Que texto mais lindo e cheio de amor, amiga <3 Acho que foi um grande privilégio crescer com meus quatro avós, e sei que nada substitui a presença, mas tenho certeza que as lembranças da Laura e do Gabriel estão asseguradíssimas também. Acho até que já te contei isso, mas nunca conheci meu bisavô, que era tipo a pessoa preferida da vida do meu pai. Eles eram muito unidos, e meu pai sempre conta que quando ele começou a trabalhar no banco o biso ia lá todos os dias tirar um extrato e ficar conversando potoca com meu pai na boca do caixa. Ele morreu quando papai tinha mais ou menos minha idade, e minha avó conta que pensou que meu pai fosse morrer junto, de tanta tristeza. Mas enfim, ele conta do avô com tanto amor e tanto carinho, umas histórias tão divertidas e detalhadas, que às vezes eu até esqueço que nunca o conheci?
ResponderExcluirVovô Bussular ficará vivo nas memórias de vocês, e Laurinha e Gabriel jamais vão esquecer o avô incrível que tiveram.
Te amo <3
Lendo o texto e tomando suco, péssima ideia (sem acento). Pois engasguei ao ler sobre o Meninnnnn. Meu avô também fazia isso.
ResponderExcluirAmada,
ResponderExcluirTenho acompanhado a sua saga de um post por dia durante o mês de agosto. Desnecessário dizer que estou amando. Todos os dias venho ansiosa ler o que publicou.
Hoje não pude deixar de comentar. Você me levou às lagrimas. Seu texto me fez sentir o nosso amado pai, avó e bisavô muito perto. A medida que lia, conseguia vê-lo nos lugares citados e pude ouvir sua voz.
Obrigada.
Te amo.
Nossa, esse texto me atropelou. Tô vivendo isso agora, quer dizer, não perdi minha avó, mas sinto que não falta muito... e isso aperta meu coração de um jeito que nem sei. :(
ResponderExcluirSimplesmente incrível, assim como meu pai foi.....
ResponderExcluirAmiga, já comentei contigo, mas que texto incrível. Tão lindo, tão leve.
ResponderExcluirA maior saudade da minha vida é a que eu sinto do meu vô. Vovôs são seres iluminados nas nossas vidas e que sempre vão ser uma parte muito importante de nós.
Quero pensar que meu vovô (que já se foi há 10 anos) e o seu vovô vão poder ser amigos agora, porque eles certamente são bem parecidos. A saudade nunca vai embora, amiga, mas o amor só aumenta, acredite.
Te amo e obrigada por esse texto, de verdade <3
É muito triste que Laura e Gabriel não vão ter essas memórias próprias para lembrar, mas pelo menos vão ter muita gente para lembrar por eles. E de certa forma a presença do seu avô vai continuar aí sempre.
ResponderExcluirSeu texto ficou muito lindo e cheio de amor. É muito bom poder conhecer um pouco do seu vovô também.
Te amo <3