sabe aquela história da gente se irritar quando percebe os nossos próprios defeitos estampados em outras pessoas? então. ao mesmo tempo que isso é realmente enlouquecedor e que a humanidade poderia gastar horas debatendo esse assunto, acredito também que existe o outro lado da história: aquele de perceber no outro os seus problemas, entender demais e querer salvá-lo daquilo a qualquer custo.
eu sempre fui uma criança meio neurótica. é. dizem por aí que é tudo culpa de ter uma mãe de gêmeos [o signo mesmo, não dois filhos que nasceram ao mesmo tempo] mas nunca vamos conseguir comprovar astrologia então segue o barco. já contei um pouco sobre como era a minha neura e o nível do meu overthiking quando disse que aqui que enquanto as crianças normais tinham medo do escuro por causa de monstros, eu tinha medo de estar cega e não saber. é. mas então, em paralelo a isso eu tinha pavor de errar e de decepcionar as pessoas. se eu levava uma bronquinha aleatória na escola, era capaz de ficar meses remoendo. levei uma bronca aos 8 anos e até hoje, de vez em quando, o texto da professora esbravejando vem inteirinho na minha mente - e junto com isso, inegavelmente vem também a memória da tarde terrível que passei, chorando por causa daquilo.
eu tinha medo de tirar nota baixa, medo de machucar o colega, em suma, medo de fazer qualquer coisa que não estava no script do que esperavam de mim. eu sempre tive medo de dar qualquer passo fora da linha, e por ter passado a infância inteirinha e metade da minha adolescência baseando minha vida única e exclusivamente nesse princípio é que hoje é tão difícil aprender que quem vive de princípios não tem meio nem fim, blablabla.
às vezes brinco que queria pegar a analu pequena no colo, embalar e falar no ouvido dela que não precisa disso, sabe? a vida é bem melhor quando é mais leve e tal, mas isso não é possível. mas aí eu lembrei que uma vez eu meio que consegui. obviamente não comigo mesma, mas com uma menininha que (e isso explica o primeiro parágrafo do post) me soava exatamente como eu fui.
na escola de teatro que eu me formei tem um projeto de monitoria. é quando um aluno se interessa em acompanhar uma turma do ponto de vista do professor e participar de todo o processo do semestre. o diretor da escola sabia que eu gostava de crianças e meio que me empurrou para fazer monitoria com a turma mais tchutchuquinha da escola, e de repente não mais que de repente eu tinha comprometido todas as manhãs de sábado do meu semestre com algo que não era meu edredom, e sim uma sala com mais ou menos 8 under 7 e long story short, no meio de todas essas crianças tinha a mariana.
a mariana era uma das mais velhas, no semestre seguinte já passaria para a turma dos 7 anos, mas era miudinha. era miudinha e tímida, mas educadíssima e super empenhada. do tipo que mordia a boca para esconder a timidez mas fazia os exercícios propostos da forma que conseguisse, e aparecia para o primeiro ensaio com texto na ponta da língua.
mariana era maravilhosa, mas não era nada óbvia. no meio de crianças como a fafá e a isabelle, que viviam alegres, saltitando e soltando pérolas, não é difícil entender porque que ninguém se encantava com a mariana, logo de cara. mas eu entendi tudo e adotei ela com meu coração antes mesmo que percebesse: mariana era pesada. como eu fui. como eu vivo tentando deixar de ser.
ela tinha pavor de errar. pavor de não corresponder às expectativas. pavor de passar vergonha. em suma, tinha pavor de viver, porque para viver a gente tem que, vez ou outra, pisar fora da reta, né? e eu estava sempre ali, observando, chamando ela para bater um papo de boa, fazendo um carinho na cabeça e tentando ensinar que estava tudo bem se não desse certo, que ela era uma grande garota e não deixaria de ser.
um dia ela pisou no pé da isa sem querer. doeu. eu não entendi direito o que aconteceu, mas de repente tinha duas criaturinhas chorando na minha frente, e enquanto a que tinha sido machucada gritava que tinha doído eu só conseguia sentir empatia pela mariana, que chorava silenciosa, mas chorava de soluçar, com um desespero que não cabia em olhinhos tão novos. óbvio que a isa nunca entenderia, mas eu sabia, de cara, que a dor da mariana em ter causado mágoa em alguém era infinitamente maior que a dor no pé da outra.
pedi calma, senti com as duas, acalmei a isa que, diga-se de passagem, em 10 segundos já estava óóóótima, desculpou a mariana e voltou a brincar. enquanto isso, a mari, mesmo depois de ter sido desculpada, não conseguia parar de chorar e não tinha coragem de voltar pra brincadeira. perguntei se ela precisava de mais carinho antes de se sentir pronta, ela fez que sim com a cabecinha enquanto seguia soltando lágrimas e lágrimas silenciosas. sentei ela no meu colo e fiquei ali, fazendo cafuné, dizendo que a isa já estava bem e que eu entendia o quanto era dolorido quando a gente errava, mas que a maioria dos erros tinha reparação e que ela não precisava se martirizar por ter pisado num pé sem querer.
depois de uma meia hora ela levantou, tentando limpar o rosto e participar da brincadeira, mas passou o restinho da aula cabisbaixa. quando saiu, passou por mim quietinha para encontrar os pais, mas eu não aguentei. puxei ela de volta, pedi meu abraço, abaixei, olhei bem pra ela e disse:
- mari, querida, às vezes a gente erra. e é chato mesmo. mas tá tudo bem. [a vida é mais que isso]
ela ouviu e tentou concordar. eu me ouço toda hora dizendo isso para mim mesma e sigo tentando concordar também. ainda. segue o barco!
> Esse é o meu texto para o meme "Se eu fosse você", criado pela Brendha Cardoso. A proposta é tentar escrever como alguém que você admira, tentando imitar os trejeitos da escrita, a pontuação, a forma da narrativa, enfim. Na mesma hora que ela me convidou para fazer eu não pensei em nenhum autor de livros, decidi que ia tentar ser a Júlia Porto rapidão. A Júlia é maravilhosa, totalmente o tipo de pessoa que eu gostaria de ser quando crescer, e escreve um dos meus blogs favoritos da vida inteira. Já li de cabo a rabo umas 4 vezes (sou doente) e cada vez me apaixono mais pelas escritas dela e pela sua visão da vida. Me encantei tanto com o jeito dela escrever que acho até charmosa essa ideia de nunca usar maiúsculas. Nesse texto, narrei uma história real, vivida por mim, mas que podia facilmente ser uma das histórias dela (e que ela com certeza narraria bem melhor que eu). Usei expressões que ela usa, colchetes ao invés de parêntesis, frases emblemáticas do diálogo em itálico e, enfim. foi divertido. Agora corrão vocês também ler o blog dela inteirinho porque ela faz isso infinitamente melhor que eu. Beijos.
Naninha, amei. O blog da Júlia é incrível e passei horas lendo quando você me apresentou, mas nem sei se cheguei a ler inteiro. Crianças são pessoas muito maravilhosas mesmo.
ResponderExcluirAmei sua história, e preciso ouvir seu conselho também. Eu até acho que consigo ser leve pra um milhão de coisas, mas quando se trata de errar, eu me coloco na cruz e ninguém me tira de lá. Perdoo os outros até que bem rápido, agora perdoar a mim leva uma vida (literalmente). Me abraça que eu te abraço, combinado?
Te amo <3
Meu coração está mais quentinho depois desse post <3 Às vezes as pessoas não entendem mas ser criança também é difícil. Lembrei muito da infância nesse texto e achei que você mandou muito bem na missão de escrever como outra pessoa! Eu não saberia fazer melhor.
ResponderExcluirBeijo!
Acredita que eu reconheci o Filosofinhas no seu texto? Não sabia que era um meme, daí estranhei as letras minúsculas e fiquei "Ué, a Analu sempre escreveu assim? Parece a menina do Filosofinhas". Daí vi a explicação no final! Hahahahah Acho o blog dela ótima também, pena que ele deu uma parada. Gostei muito do seu texto. Nunca me imaginei que uma criança tão pequena pudesse segurar uma barra tão grande.
ResponderExcluirQue texto lindo, Analu! ♥
ResponderExcluirHoje, com 27 anos na cara, ainda sou a Marina. Me identifiquei muito porque até hoje me sinto péssima se, por um motivo ou outro, erro alguma coisa, cometo alguma falha ou magoo alguém. Posso parecer muito certa de mim, muito teimosa e mandona, mas em se tratando de pressão, coloco em mim altas doses dela e quase não respiro. Preciso ouvir o conselho que você deu para Mariana, e tentar viver.
E, ah!, a explicação elucidou uma boa dúvida que estava na minha cabeça quando comecei a ler. Principalmente por conta das letras minúsculas, haha, não me lembrava se você escrevia assim, mas, ó, fiquei perfeito.
Um beijo!
Nossa, confesso que por essa eu não estava esperando.
ResponderExcluirVim atualizar minha leitura do mvcee e logo de cara pensei "nau pode se". Mas era.
As minúsculas denunciaram logo de cara, mas sua explicação no final só me deixou mais animada. Fico feliz que tenha respondido o meme e fiquei muito (muito, muito...) feliz que tenha caído de cabeça na ideia. Era exatamente isso que eu estava esperando quando o criei.
Fiquei toda arrepiada lendo esse texto e terminei a leitura toda ~feels~ porque eu senti uma identificação imediata com a Analu que lembra até hoje da bronca que levou e com a Mari. Eu também sempre tive esse medo de errar, sair fora do script, e lembro até hoje de situações que aconteceram e me marcaram permanentemente. Também queria voltar no tempo e dizer pra mim mesma que não preciso carregar tanto peso. Mas não consigo falar isso nem pra mim mesma hoje em dia, embora tenha consciência das coisas. Então "segue o barco", né?!
Por fim, só queria reforçar que amei a forma como tu desenvolveu seguindo as ~regras~ do meme, adorei a história e senti uma vontade gigantesca de te dar um abraço!!!
Beijão, Ana!
Analu, meu amor. Somos todos Marianas?
ResponderExcluirEstou precisando seguir este seu conselho também e a acreditar que a vida é sempre mais que isso. A pior cobrança é a que depositamos sobre nós mesmos.
Fiquei querendo abraçar little mariana (e você).
Esses dias cê citou o blog da Júlia aqui e eu corri lá pra ler - porque óbvio - e me apaixonei. <33
Beijjos.
Que texto mais gostoso!
ResponderExcluirEu estava estranhando a narrativa porque não parece ser a sua - a falta de maiúsculas foi o maior sinal, para mim -, mas não foi apenas a narrativa que me cativou: a visão que você deu ao ocorrido é linda e real. Assim como você e como a Mariana, eu sou uma pessoa "pesada", que tem essa coisa de sempre ter de acertar. Tem uma parte de O amor nos tempos do cólera que diz que a moça chorava não por tristeza ou afins, mas por estar com raiva de si mesma por ter sido fraca, por falhar, pelo erro que não deveria cometer. Tenho muito disso. E só quem tem sabe como realmente é - um saco.
'Cê fez bem pra essa menina. ♥
~lerei o blog indicado, fiquei interessada! e não é estranho ler blogs favoritos de cabo a rabo; meus favoritos li-os todos, hahahaha~
Beijo ;*
Quando você for postar alguma coisa assim, por favor, me avisa. Porque agora tô aqui, chorando igual uma retardada na faculdade, porque você postou um texto lindo e ai a identificação, como dói às vezes né? Fiquei tão emocionada que até esqueci que odeio esse texto sem maiúsculas e que pensei seriamente em te mandar uma mensagem pra dizer "amiga, tem alguma coisa errada com seu blog", mas aí eu cheguei no final e percebi o que tava acontecendo. E era esse meme que achei que seria chato e você fez ficar incrível. E agora tô chorando. Ai bicha, que que cê não faz comigo.
ResponderExcluirte amo demais <3
Eu me emocionei um bocado lendo o seu texto, porque me vi um pouco tanto na pequena Analu quanto na Mariana. Eucresci com a preocupação de ser bem sucedida em tudo, e quando as coisas foram saindo do meu controle, eu comecei a ficar perdidíssima, decepcionada comigo mesma por estar decepcionando os outros.
ResponderExcluirSemana passada me disseram no trabalho que três pessoas aleatórias comentaram que eu tinha cara de inteligente. São pessoas que eu mal conheci e já passei essa impressão sem querer. E eu quero me desvencilhar dela, porque não dá para viver com leveza mesmo sendo assim. Achei nobre o que você fez pela Mariana, quando eu encontro a oportunidade tento fazer a mesma coisa. E o seu jeito com crianças é encantador.
Estranhei um pouco seu jeito de escrever (eu visito o MVCEE de vez em quanto, só não deixava comentários antes por vergonha, desculpa ><#), mas a nota no final fez total sentido. Eu li um texto no Filosofinhas uma vez e achei amor. ♥
Beijinhos.
Só consigo pensar que #SomosTodasMariana, porque né? Me identifico horrores com esse tipo de gente pesada, que desde criança se martiriza e chora as lágrimas mais sofridas do mundo por cada mísero errado, que com 15 anos chorou de soluçar diante da primeira nota vermelha, meu Deus que difícil, né?
ResponderExcluirAmei demais seu momento Júlia, e acho que ficou mais legal ainda porque o texto tem a cara dela, mas é a sua cara também.
beijos
te amo!
Ôxe, eu me vi na Mariana! No meu caso, eu esperava estar sozinho ou ninguém olhando pra pra poder chorar. Mas sempre carreguei esse peso de me cobrar demais, medo de decepcionar, de fazer errado... e o fato de guardar pra mim, me deixava meio explosivo quando não aguentava mais. Hoje tô em fase auto tratamento, tenho buscado descarregar mais esse sentimento, ser mais leve.
ResponderExcluirAdorei o texto, viu. Abraços!