Vou começar dizendo que sou meio contra a expressão Guilty Pleasure. Se é prazer, não deve ser culpado, punto e basta. Não tenho a menor vergonha de gostar de nada do que eu gosto, e isso vai desde pipoca com leite condensado a ouvir um sertanejo de quando em quando. Se eu tiver que dançar Valesca Popozuda numa festa no meio de um monte de eruditos, assim eu farei.
No entanto, acho que a tal da denominação do prazer culpado serve bem pra gente gostar bastante daquilo que é meio torto por definição. Não estou falando de algo que te deixaria com vergonha, e sim algo meio errado mesmo. Por exemplo: meu homem favorito de Friends é o Ross, podem tacar quantas pedras quiserem. Eu sei que é errado. Eu sei que ele é mimado, maníaco, chato, machista, ciumento e ignorou a carta de 18 páginas frente e verso da mulher da vida dele. Mesmo assim eu amo e torço do começo ao fim para que toda vez que eu assista a série de novo eles terminem juntos – vai que dá alguma merda no meio do caminho? Melhor torcer para previnir.
Pois então, esclarecimentos feitos, chegamos à parte que eu digo para vocês que a minha princesa favorita da Disney sempre foi e sempre será a Cinderella. Conheço todos os defeitos sim. A Bela ama ler, se sacrifica ficando em um castelo perigoso no lugar do pai e se apaixonada por um mocinho nada convencional. A Mulan luta para defender seu país. A Ariel é meio cabecinha oca, mas foge completamente da sua zona de conforto para reencontrar o homem amado. A Branca de Neve passa o dia cantando e sonhando com o amor de sua vida e a verdade dolorida e plena é que a Cinderella do desenho é uma alpinista social.
Sofreu, coitada, claro que sofreu. Mas enquanto sofria, passava as noites em claro em seu sótão olhando pela janela e sonhando com o Castelo. Quando consegue ir ao baile e dança com um homem que nem sabe quem é, seus olhos brilham e mesmo assim o que é que ela faz quando dá a meia noite? Diz pro moço que precisa embora porque seu tempo acabou e deixa bem claro para ele que ficou chateada por não ter conhecido o príncipe. Dane-se o amor, dane-se a dança e os olhinhos brilhando: tudo que não fosse o príncipe era pouco para Cinderella.
É triste e errado? Completamente. Amo mesmo assim? Com toda a certeza. Meu sonho de criança era ser a Cinderella. Tenho bonequinhas da Cinderella. Meu vestido de formatura é azul e brilhante. Quando eu entrei no Magic Kindown, aos 15 anos, paralisei na frente daquele castelo. E é por isso que eu acabei de sair de uma sala de cinema completamente atropelada e encantada por um filme que, segundo c e r t a s p a s s a r i n h a s pode ser facilmente considerado um “sessão da tarde mid-90’s”.
Para não parecer que só falarei das flores, vou começar com um defeito que me deixou meio órfã: as músicas. Não mantiveram nenhuma. Nem Bibbidi Bobbidi a direção teve a consideração de manter. Não é como se Helena Boham Carter precisasse de fundo musical, mas gente, Bibbidi Bobbidi sabe. Desculpem-me frisar nessa música que virou título e que eu citei 2 vezes no mesmo parágrafo, mas é que meu coração já estava doendo quando não tocaram A dream is a wish e nem aquela música dos ratinhos costurando. Inclusive, melhor avisar desde já que os ratinhos não costuram nada, tá? Eles estão lá e são fofinhos, mas só cumprem tabela.
{A partir daqui vai ter spoiler às pencas, tá bom? Sei que todo mundo tá cansado de saber como é a história, mas se quiserem guardar o filme em suspense é melhor voltarem quando tiverem assistido e não digam que eu não avisei.}
Passado o drama das músicas e dos ratos, pra mim o filme não tem mais nenhuma falhazinha sequer. Ok, talvez as sobrancelhas da Cinderella (me mostrem uma loira de nascença com uma sobrancelha escura como aquela e eu penso em levar a proposta a sério) mas de resto, nada. Casaria com os roteiristas só por eles terem realizado mais que o meu sonho com esse filme: eles redimiram a menina.
No filme ela não é alpinista! Não sonha com o castelo! No filme ela aprendeu com a mãe que tudo o que você deve fazer na vida é ser gentil, ter coragem e acreditar em magia. Com essas três coisas nada tem como dar errado. No filme ela se apaixona pelo príncipe quando se encontram no meio da floresta e ele não diz quem é. No filme ela só quer ir ao baile para encontrar com esse moço que ela acredita ser um funcionário da côrte. No filme ela dá um soco na cara de todo mundo quando diz que não é porque algo é sempre feito de determinada maneira que o certo seja fazer dessa maneira.
A Cinderella do filme pediu para a fada madrinha que não lhe desse um vestido novo – ela queria usar o da mãe para que sentisse a presença dela no castelo. Pode parecer, depois de tudo o que eu disse, que ela é uma chata piegas, mas juro que não. Ela é uma pessoa de coração bom e que tenta fazer o melhor possível com a sua vida, mesmo deixando de acreditar quando a barra pesa demais.
Como se já não bastasse terem feito tudo o possível para que eu estivesse quase de joelhos na cadeira do cinema de tão apaixonada, ainda me presentearam com o ensinamento incrível de que a magia pode sim nos auxiliar, mas para terminar de resolver a vida temos que ser nós mesmos, e que talvez esse seja o maior desafio para um ser humano: se mostrar sendo quem realmente é.
Cinderella encontra o príncipe sem sapato nenhum na mão, sem vestido, com cabelo despenteado e o rosto sujo de cinzas – e pergunta se ele a ama e se casaria com ela mesmo assim e, prestem atenção, mesmo se o sapato por algum motivo tivesse deixado de caber.
Sei que a cena dele calçando o sapato nela é totalmente emblemática e que não é fácil para um roteirista ou diretor cortar uma imagem dessas mas, assim, já tinham cortado as músicas e os bichinhos ajudantes, sabe? Não, eles não cortaram a cena. Mas teria sido a escolha perfeita para fechar um filme com escolhas tão acertadas. Quando ela perguntou se o príncipe a amaria mesmo se o sapato não coubesse, ele sorriu e disse que sim – mas ajoelhou e calçou o sapato. Fosse eu a roteirista e o príncipe teria colocado o sapato na mesinha de centro e dado um beijo na menina de uma vez. Para que comprovar se cabia se isso já não era mais importante?
Bom, depois disso vocês sabem o que acontece. Eles se casaram e estão vivendo felizes para sempre enquanto eu saía flutuando da cadeira do cinema, feliz da vida por terem transformado Cinderella numa pessoa tão maravilhosa. Amarei a do desenho para sempre, mas agora eu tenho uma para amar sem nenhuma culpa. Ela tem sobrancelhas esquisitíssimas, mas um sorriso lindíssimo. Me permitem um último spoiler, já que vocês chegaram até aqui mesmo? Desafio qualquer um a assistir o filme e não se apaixonar pelo olhar do príncipe. Acreditem em mim, I’ve been there na sala de cinema com uma tela gigante e digo pra vocês que não tem como não se abalar com aquele olhar.
No matter how your heart is bleeding
If you keep on believing
A dream that you’ll wish will come true