“O que seria do azul se todos gostássemos do amarelo?” Repetia a minha tia, sempre que eu e minha irmã cismávamos em perder horas a fio com alguma discussão infundada que nascia na preferência de uma sobre alguma coisa que a outra não gostava. Não é novidade para ninguém que as pessoas são diferentes e, mesmo assim, o ser humano vive caindo na besteira de se apavorar frente a escolhas/ações bestas de outrem que sejam completamente diferentes das dele.
Minha avó faz uma cocada divina. E não que eu não goste da cocada hoje (gosto sim e como muitas) mas é que quando eu era criança a minha relação com a cocada era praticamente transcendental. Eu olhava para o pote e chorava de amor. A hora da sobremesa era sempre a melhor do dia, quando eu podia, finalmente, sentar com um prato e comer quantas cocadas eu quisesse. Só que eu sempre fui uma pessoa que pensa muito mais do que devia, de modo que minha tranquila vida infantil de comedora de cocadas mudou rapidamente para um inferno mental quando uma das minhas primas disse que odiava cocada.
Eu me lembro nitidamente de estar sentada com um prato de cocadas na mão, a testa toda enrugada, mastigando a iguaria e matutando por minutos a fio how on hell alguém podia simplesmente odiar cocada? Aquilo era a melhor coisa do mundo.
Pensava, pensava, pensava e não chegava a conclusão nenhuma, de modo que a teoria que mais me pareceu coesa no momento era que as coisas tinham gostos diferentes para as pessoas. Imaginei que, judiação, para a minha prima, de certo a cocada tinha gosto de brócolis. Eca. E concluí: dei muita sorte, para mim a cocada tem gosto de cocada mesmo.
Vejam bem, foi mais fácil assumir para a Analu de 8 anos que a cocada e o brócolis trocavam de gosto para algumas pessoas do que simplesmente aceitar que, olha só que coisa, tinha gente que não gostava do gosto (tão maravilhoso!) da cocada. Da cocada da vovó, ainda por cima, poxa vida.
Dou risada sozinha só de lembrar dessa filosofia de boteco toda que eu martelava na minha cabeça só porque alguém não gostava de cocada, mas o fato é que por mais que tentemos assumir que as pessoas são simplesmente diferentes e pronto, tem sempre algum detalhe que nos deixa chocados. Principalmente quando as pessoas desgostam das nossas coisas favoritas ou... quando falamos de medo.
Minha prima não gosta de cocada. A Taryne odiou “As travessuras da menina má”. A Anna tem birra com Imagine Dragons. Minha irmã morre de medo de avião e eu já conheci uma menina que tinha pavor absoluto de palhaços. Uma adulta, tá? Eu conto.
Uma vez, no festival de Teatro infantil da escola, montamos uma decoração enorme e colorida no foyer... cheinha de palhaços. Eles eram muitos. Pequenos e grandes, mais ou menos vintage, alguns mais coloridos que outros. Toda hora que eu passava lá eu parava para ver como tinha ficado fofo. Até o dia que vi uma aluna de 18 anos passar chorando e de olhos fechados por ali, enquanto tudo o que queria era o direito de ir até a cantina sem se deparar com 81273 palhacinhos na sua frente. Acho justo, acho que cada um tem seus medos, mas absolutamente não consigo entender.
Assim devem ter se sentido todas as pessoas que me presenciaram, mesmo que rapidamente, ontem, no laboratório, onde eu estava para fazer exame de sangue. Aquele ambiente inóspito, branco e com cheiro de álcool. As pessoas chegavam, pegavam senha, faziam o cadastro, sentavam na sala de espera com uma revista, entravam na sala ao ouvir seus nomes e saíam tranquilas e leves, com o braço esticado normalmente, e pegavam um cafezinho.
Eu não tinha dormido à noite. Me encolhia na cadeira enquanto minha mãe pegava a senha. Não tinha levado NEM CELULAR comigo, porque, vejam, sabia muito bem que não conseguiria fazer absolutamente nada na sala de espera além de olhar para o além e rezar para demorarem a chamar meu nome. Quando me chamaram caminhei chorando até a sala, um choro legítimo, de quem está realmente se trancando de tanto medo, agarrada no braço da minha mãe. Deitei na maca (sim, porque não tiro sangue sentada jamais) e me encolhi de chorar. A enfermeira, tranquila, veio com o torniquete pra cima de mim e eu tirei o braço soluçando. Ela disse que não estava fazendo nada, nem agulha na mão ela tinha. Pedi para chamarem outra pessoa para segurar o meu braço enquanto ela fazia o serviço, senão eu ia tirar. Ela, ainda tranquilíssima, disse que dava conta sozinha e assim foi. Minha mãe segurava minha cabeça, eu botei música no ouvido, fiquei olhando para o teto, e só de lembrar daquela agulha no meu braço eu choro em cima do teclado. Alguém aí que não tem medo de agulha pode até aceitar, mas absolutamente não vai entender.
O choro da menina em relação aos palhaços foi dolorido igual ao meu com relação às agulhas. A minha irmã absolutamente não entende como eu posso entrar no avião sem medo nenhum. Eu tenho uma prima, repito, que não gosta de cocadas. E conheço até, pasmem, muita gente que não gosta de ler. Pensar naquele clichê de “como as pessoas são diferentes” nunca vai parar de me deixar intrigadíssima – e maravilhada, ao mesmo tempo. E não necessariamente nessa ordem.
Amiga, também acho essas diferenças muito curiosas e fascinantes. Tipo que eu amo cocada e AMO brócolis, mas não gosto de Imagine Dragons. Ou a gente que pirou com ACEDE e achou Perks ok, enquanto pra Tary foi totalmente o contrário. Ou minha mãe que foi linda e corajosa fazer mergulho enquanto eu fiquei esperando, porque morro de medo de peixe e da ideia de respirar embaixo d'água.
ResponderExcluirApenas imagine só que mundo horrível seria esse que gostássemos e desgostássemos das mesmas coisas. A variedade que nos mantém vivos na Terra, porque se fôssemos iguais já tínhamos ido embora há muito tempo.
Boa semana pra gente <3
Obrigada por sempre embarcar nessas comigo.
Te amo <3
Duas coisas.
ResponderExcluir1) Tudo bem que brócolis não é a mesma coisa que cocada, mas é bom também, vai. Amo os dois! (E fiquei aguada aqui de você ter me lembrado que existe essa iguaria maravilhosa na Terra e que não tenho a mínima chance de saboreá-la tão cedo!)
2) Já tive medo de agulhas, morria de medo de fazer exame de sangue. Mas depois que a gente tem filho, acabamos ficando mais fortes, pode crer. ;)
Essa é a graça do ser humano. E só para constar, também sou adulta e tenho pavor de palhaços.
ResponderExcluirBj e fk c Deus.
Nana
procurandoamigosvirtuais.blogspot.com.br
Que post ótimo de ler! :)
ResponderExcluirEu, por exemplo, prefiro brócolis a cocada, embora não odeie a segunda. Vai entender. Quanto ao seu sentimento nas salas de espera antes de tirar sangue: entendo e também passo por isso, ainda que, pelo que você falou, em menor escala. Sonho com o dia em que vou conseguir ir desacompanhada pro laboratório, tirar sangue sem precisar deitar uns minutinhos, entrar e sair na salinha em dois minutos como todas aquelas pessoas tranquilas que eu vejo por lá. Além de tudo isso, ainda tenho que sofrer pra andar de avião. Pelo menos dos palhaços não tenho medo.
Beijo!
Tô amando demais esse post <3
ResponderExcluirÉ complicado mesmo pra gente entender que as pessoas são diferentes da gente, embora pareça algo tão simples e racional. Por isso mesmo, achei genial sua interpretação de criança de que as coisas só poderiam ter sabores diferentes para cada pessoa.
Quanto a cocadas, palhaços e agulhas literalmente, eu não amo cocada. Aliás, quando se trata de coco, fico sempre com dois pés atrás. Adoro alguns doces, como cocada sem problemas, mas detesto outros doces e tenho horror à água de coco. Palhaços nunca me assustaram. Pelo contrário: sempre adorei palhaços. Talvez ter passado o primeiro ano da minha vida todo num quarto decorado com palhaços deve ter ajudado. Quanto a agulhas, minha história é bem estranha.
Eu não tinha medo nenhum de agulhas quando criança. Zero. Eu odiava as vacinas em gotinhas e me perguntava porque diabos não podiam dar logo aquela picadinha inocente ao invés de me fazer engolir aquele negócio horroroso. Tive anemia a infância toda e, para monitorar meus níveis de ferro, eu fazia hemogramas duas, três vezes por ano e não tinha problema nenhum nisso. Eu me sentava, esticava o bracinho e mantinha meus dois olhos bem fixos no que a enfermeira fazia. Inclusive, decidi que queria ser enfermeira quando crescesse. Passados alguns anos, minha pressão caiu quando fui tirar sangue e, desde então, tenho horror a agulhas, em especial quando é para tirar sangue. Não olho mais de forma alguma e também tenho que ficar deitadinha para não passar vergonha. Então, Analu, me dá a mão. <3