Estava esses dias batendo um papo
rápido com uma conhecida que acabou de voltar da Suécia. Ela estava contando
que tudo lá é super certinho. Com os cachorros, por exemplo. São tratados
praticamente como seres humanos e muito socialmente aceitos. Agora, se seu poodle
rabugento arruma encrenca com o Yorkshire da vizinha e acaba mordendo o
coitado, tendo grandes consequências ou não, ele será sacrificado. Porque é
assim que a banda toca: cheia de regras, a torto e a direito. Ah, se você sair
para trabalhar e o cachorro ficar mais de 6h sozinho, você paga multa e pode
até perder a “custódia” do bicho, ela contou, suspirando e comentando: confesso
que a gente fica meio em cima do muro ao reparar tudo isso; é bacana ver uma
cidade organizada, onde as coisas acontecem da forma certa e coisa e tal, mas
dá um pouco de saudade do jeitinho brasileiro.
Meio que concordo. É legal quando
as coisas dão super certo, mas não acho que engessar tudo dessa maneira seja
sempre a melhor das soluções – e olha que ela só falou dos cachorros; falar de tudo certamente daria muitos metros de
pano pra manga. O problema é que parece que só existe o 8 e o 80. Galera
esquece das milhões de possibilidades mais equilibradas que existem no meio do
caminho. Quem sabe um 38 não cairia melhor?
O jeitinho brasileiro pode ser
bom às vezes. Minha cachorrinha, por exemplo, já saiu na porrada com a irmã
dela, que levou uma patada no olho e acabou bem machucada. No resto de todos os
seus milhões de dias ela seguiu (e segue) se comportando como o anjinho peludo
que sempre foi. Fosse na Suécia e ela não estaria mais aqui por causa de um
momento de desentendimento e uma dose de azar. Mas prometo que essa foi a
última vez que falei de cachorros nesse post.
Esse post, na verdade, é para dizer
que o jeitinho brasileiro também cansa, e cansa muito. Cansa demais quando a
gente para para analisar e percebe que praticamente tudo é feito dessa maneira.
Aquela velha arte de tapar o sol com a peneira – e achar que está arrasando; a
habilidade, aparentemente intrínseca na sociedade brasileira, de não resolver
os problemas ou, pior ainda, achar que está resolvendo ao puxar um gato e fazer tudo pela metade, da pior maneira possível.
A essa altura vocês já sabem do
que estou falando (a menos que tenham passado os últimos dias passeando em
Marte). Muita gente por aí sabe falar do assunto muito melhor do que eu,
inclusive. Neste blog você pode encontrar muito material. Mesmo assim eu
resolvi deixar registrado por aqui também a minha indignação. Porque a gente
cansa. A gente cansa de ver um país que não dá certo e segue cavando sua
própria cova e fazendo todo mundo de idiota ao fingir que está consertando
erros ao criar outros ainda maiores.
Amigos, repitam comigo: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NÃO É SOLUÇÃO.
Nunca foi. Nunca será. Prisão não é educação. Colocar atrás das grades um
garoto de 16 anos que fez bobagem porque cresceu sem estrutura nenhuma em meio
a um sistema completamente deturpado não vai nos trazer um país melhor – vai tapar
o sol com a peneira MAIS UMA VEZ. Daqui há 30 anos, quando tudo continuar dando
errado, vai surgir algum gênio da lâmpada pra dizer que então talvez seja uma
boa ideia reduzir para 14, e aí alguém vai gritar ISSO AÍ, AGORA VAI! E dali a
mais 30 anos, reduz-se para 12. Quem sabe em 150 anos estaremos prendendo crianças de 5 anos –
e tudo vai continuar dando muito errado.
Não é AGORA que vai. Não vai ser
enquanto não começarem a tomar medidas que melhorem as condições das pessoas e
as chances que elas têm na vida. O dia em que nossos jovens não crescerem em
meio ao crime; o dia em que eles tiverem toda a assistência e proteção
necessária que deveria ser assegurada pelo estado e sabemos muito bem que não
é; o dia em que desfrutarem das reais oportunidades que todos deveriam receber
ao nascer e ainda assim saírem fazendo merda por aí, aí quem sabe poderemos
sentar e começar a conversar sobre redução de alguma coisa. Enquanto isso,
prefiro que Eduardo Cunha e todos os seus parceiros de crime gastem seus
cérebros tentando reduzir coisas como a vontade da minha avó de colocar passas no salpicão
todo fim de ano, ou mesmo o tamanho do nosso papel de trouxa enquanto
brasileiros.
O jeitinho brasileiro já teve seu
charme, mas usado em excesso vira piada absoluta – se desse, aliás, para fazer
piada com algo tão trágico. Já deu o que tinha que dar a muito tempo, gente. O
sol passa por todos os buraquinhos da peneira e todo mundo acaba torrado. E pra
você que ainda acredita que a redução é uma boa ideia, juro, tenta pensar um
pouco fora dessa casinha de quem tem protetor solar pra passar e não precisa
nem da peneira. Dá raiva ter o celular roubado por um moleque? Óbvio que dá. Pausa para vocês darem uma lidinha nesse texto do Gregório aqui. Despausa. Dá
medo sair na rua a noite e ser morto a facadas? É ÓBVIO que dá. Dá medo e
muito. Mas a culpa é do sistema, não dos jovens inconsequentes envolvidos.
Tacar todo mundo na cadeia não vai educar ninguém e você vai continuar tendo
que comprar protetor 50 e passando raiva, e reclamando mais, e vai ser um ciclo
sem fim. Quer mais um indício de que prender adolescentes não resolve nada? Os 54 países que reduziram a maioridade penal não registraram redução da violência. A Alemanha e a Espanha, inclusive, voltaram atrás na decisão.
Como já dizia Saramago, olho por olho e o mundo vai acabar cego.
Não é cortando o braço que a gente cura uma dor no dedo. É indo atrás de
remédios realmente efetivos. Fica o TEXTÃO™.
Confesso que eu queria ter passado este tempo em Marta.
ResponderExcluirEnquanto a discussão era acadêmica, eu já tinha uma certa preguiça. Porque na minha cabeça já estava muito bem sedimentado que seria um erro reduzir a maioridade. Mas ainda era melhor porque as pessoas estavam mais abertas a ouvir argumentos fundamentados.
Inclusive, consegui convencer uma pessoa de que a redução da maioridade penal nunca foi a solução em nenhum lugar. Já fico satisfeita.
O Facebook está cansando com argumentos do tipo: o menor tem noção que está fazendo algo errado, imagina se fizesse com a sua família, tantos porcentos quer a redução da maioridade, quer defender o menor, leva para casa... Enfim, preguiça.
Então digo que foi com muito alegria que li seu texto, Analu. Fiquei feliz. O Gregorio anda arrasando muito nos textos.
Minha turma de artes cênicas anda debatendo muito esse assunto, fizemos alguns improvisos relacionados ao tema, inclusive. Analu, você basicamente escreveu tudo o que eu venho tentando explicar e insisto em debater pro povo na sala, que simplesmente não quer admitir ou não se importa em pensar em soluções alternativas e eficientes de verdade. Um menino lançou, no meio do debate: "A gente tem que tomar uma atitude, então vamos tomar essa mesma e ver no que dá". Clássico jeitinho brasileiro. Vamos deixar assim mesmo pra não pensar em alguma coisa melhor. Esse jeitinho cansa, viu? Ai...
ResponderExcluirTambém não sou a favor da redução. Mas tirar a culpa do menor? Não dá. Por que ele não tem culpa e sim o sistema, mas se é um cara de 25 anos que comete o mesmo crime, aí a culpa é dele? Será que esse de 25 não sofreu igual ou mais ao de 16? Cara, um menino de 16 anos matar uma pessoa pelo simples "prazer" de matar e a culpa é do estado? Não consigo aceitar essa. Daqui a pouco ninguém tem culpa de nada, e a culpa é da gente, que comete o grande crime de sair com o celular, de voltar pra casa tarde da noite. Eu sei que o estado tem muita culpa de muita coisa e também reafirmo que não creio na redução. Mas daí também a dizer que a culpa não é da pessoa, não dá. Desculpa.
ResponderExcluirConfesso que nessaa horas, apesar de me semtir egoísta, fico muito aliviada por morar fora do Brasil. A bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) tá tocando o terror no Congresso e eles são apenas o espelho de uma sociedade retrógrada e extremamemente desigual economicamente.
ResponderExcluirO próximo passo, após hiper-lotar as prisões já super-lotadas, será apresentar a "solução mágica" das prisões privadas, que existem nos EUA.
Triste! :(
Lidia.
Ai Ana! Quando eu crescer quero escrever tão bem quanto você, sabia?! Tenho minhas opiniões mas nunca consigo express´-las tão bem e de maneira tão acessível assim! hhahaa
ResponderExcluirNão é atoa que o blog está há séculos as moscas. :/
Também acredito que redução não seja solução. Quando eu tinha uns 14 anos, escrevi uma redação para aula de português justamente dizendo que prisão nunca será a solução para jovens (e adultos) e que o investimento deveria ser em educação, saúde e oportunidades e não em cadeias. E continuo acreditando, mas infelizmente eu acreditar não resolve nada. :/
É muito frustrante pensar no Brasil como esse eterno rei das gambiarras, das soluções a curto prazo, da peneira pra tapar o sol... Enquanto o Brasil tampona seus rios e sobre com a falta de água, países desenvolvidos como a Coreia do Sul, invés de taparem seus rios e constrruirem viadultos para os carros, estão desenterrando e construindo parques lineares ao longo do rio e com isso, proporcionando melhor qualidade de vida pros seus habitantes. (Um exemplo de urbanismo, porque é o que eu sei falar. rs) (Ah, o Rio chama Cheonggyecheon, olha: http://www.cidadederibeiraopreto.com.br/noticia777-a-revitalizacao-de-um-rio-de-seul-na-coreia-do-sul-mudou-a-paisagem-a-tal-ponto-que-as-imagens-de-antes-e-depois-parecem-falsas.html)
Mas aqui, enquanto for mais lucrativo construir viadutos com menos quantidade de ferragem que o necessário, vai haver viadutos caindo, rios poluídos e qualidade de vida de menos.
Mas que bom que aqui ao menos, Kimmy e Macgyver não correm o risco de serem sacrificados por desentendimentos momentâneos, rs
Acho que ficou confusa a minha opinião, misturei assuntos mas espero que dê pra entender alguma coisa. hehe
Beijão. ♥
A questão é que essa redução NEM tapar o sol com a peneira, tapa. NENHUM benefício vai vir dela, simplesmente porque
ResponderExcluir(a) um indivíduo infrator que vai pra cadeia é apenas substituído por outro indivíduo infrator que vai te dar uma facada/roubar seu celular. Nenhum deles tem um problema pessoal contigo, e, como você falou, o problema está na base, na formação. Assim como desde que é mundo é mundo não conseguiram colocar todos os infratores adultos na cadeia, também não vão conseguir colocar todos os menores;
(b) a redução não é razoável nem como paliativo: a taxa reincidência entre os jovens infratores é de 20%, enquanto a taxa de reincidência do sistema carcerário normal é de 60% (dados oficiais), o que significa que a tendência é a violência aumentar, não diminuir. Mesmo que se reduzisse agora e simultaneamente a gente começasse a tentar resolver o problema real, a redução ainda triplicaria a chance desses que você quer prender agora fazerem besteira no futuro.
Reduzir. A. Maioridade. Penal. Apenas. Não. Faz. Sentido.
Enfim, teria muitos outros dados oficiais pra te dar contra essa ideia escrota de reduzir a maioridade penal, mas o problema não é a falta de argumentos contra isso, o problema é que o povo não quer ouvir mesmo. Mas fiquei muito feliz de ler o seu texto, você me orgulha.
Te amo <3
Olha, sempre bom ler textão consciente ;)
ResponderExcluirNão é nem tampar o sol com a peneira é tampar os olhos com uma venda mesmo, porque, tipo, a gente entende o lado das pessoas que sofreram com a violência desses menores, mas NÃO VAI RESOLVER NADA CARA, só vai piorar a situação desse nosso Brasil. Genty, eu gosto muito desse país, mas tá difícil. Somos um povo facilmente ludibriado e manipulável justamente por conta das falhas do sistema lá na base, principalmente naquela coisa linda chamada educação (apesar de que tem muita gente que se diz intelectual apoiando a parada). Grande parte desse povo, a maioria dele não consegue que seus direitos básicos sejam garantidos pelo Estado, Estado este que promete sim garanti-los.
E mesmo que a violência diminuísse, o sisteme carcerário brasileiro não tá suportando nem a quantidade de presos atual. E mais: nem bandido maior de idade tá sendo preso, que dirá os jovens.
#MandaMaisTextãoQueTáPouco
Nossa, essas discussões me deixam tão descrente com a humanidade, sabe? Eu nem assisti a votação, mas só de ver os comentários no Twitter que os deputados estavam fazendo me bateu uma tristeza tão grande. Sei lá, é tudo muito desumano. Sei que é importante pensar em dados e estatísticas, no que é mais eficiente e tudo mais, mas não podemos esquecer que estamos falando de gente, né? Num sistema ferrado que cria essas pessoas pro crime, e depois joga elas numa cadeia pra perder as poucas oportunidades que já tinha. As pessoas falam sobre roubos, assaltos, mortes - e é honesto pensar nisso, pensar no seu lado - mas cara, são PESSOAS. São CRIANÇAS.
ResponderExcluirConcordo com todo o textão. Queria descer do mundo.
beijos
te amo!