Eu não faço a menor ideia do que
esse texto vai virar, mas vim cumprir ordens. É que, como comentei dia desses
no twitter, recentemente minha família descobriu que eu escrevo. Não que eles
já não desconfiassem – come on, eu nunca fui uma criança muito normal, eu era a
pentelha que ficava pedindo tema de redação para os outros – mas agora eles
oficializaram a descoberta. Agora eles leem meu blog, compartilham textos,
carregam pro meu mural, debatem no almoço de domingo quando eu nem estou. Agora
eles me encomendam textos.
Esse daqui, por exemplo, foi um
pedido da tia Luciene (beijo, tia!) que escolheu o título e tudo e já me cobrou
umas três vezes. “A Maldição da Pia”, isso mesmo, quem tem família grande vai
me entender rapidinho. Imaginem um almoço de domingo. Imaginem a barulheira, as
conversas, a falta de lugar pra todo mundo na mesa. Imaginem gente comendo no
sofá, gente comendo na varanda, gente comendo em várias etapas. Imaginem a
panela do bife que nunca consegue sair do fogão porque sempre tem mais um a ser
fritado. Imaginaram? Agora imaginem o que não vira a PIA DE LOUÇA que resulta
de cada aventura dessas.
Sempre tem alguém que tenta o “CADA
UM LAVA O SEU, TÁ PESSOAL?”, mas em 23 anos eu nunca vi funcionar. Pra começo
de conversa, a maioria dos homens tem certeza absoluta que isso não diz
respeito a eles e nem cogita esfregar seu próprio copo. Para não ser injusta,
já vi alguns deles quietinho, no silêncio, dar conta da louça da janta vez ou
outra – mas no almoço eles não se metem. Entendido que nunca funciona a
história de cada um lavar o seu? Prossigamos. É aí que a brincadeira começa.
Porque você saiu correndo quando a vovó gritou que estava na mesa e
acabou fazendo parte do time que almoçou cedinho. Você leva seu prato até a pia,
olha bem pra ela, vê que tem 5 conjuntos de pratos, copos e talheres ali
dentro. Você olha em volta, olha pra pia de novo, respira fundo e pensa que, ah,
é melhor lavar aquilo ali logo, porque VAI QUE alguém te vê ali cumprindo uma
parte da tarefa e anota teu nome no caderninho, né? Vai que você ganha logo uns
pontos no céu por lavar aqueles 5 pratos ali e quando o resto todo do pessoal estiver
almoçado a tarefa vai ser dividida entre os outros que ainda não fizeram a parte deles?
Vai que, né? Só que não. Só que nunca. E é aí que a maldição da pia acontece.
Porque quando você encosta a
barriga lá, de fato, você jura que só tinha 5 pratos. Mas se Jesus realizou o
milagre da multiplicação com os peixes, juro, vocês não fazem ideia do que
minha família é capaz de fazer com a LOUÇA. Porque quanto mais você lava os
pratos, mais pratos aparecem. Pratos de pessoas que chegam com sorrisinhos
caras-de-pau e vão, sutilmente, empurrando a louça suja deles ali para a pia,
afinal de contas, já que você está lavando 5, porque não 6, 7, 8? E aí você
lava. Lava. Lava. Lava. Enche um escorredor, enche dois, enche três, e quando
você termina, descobre que todo mundo já saiu da mesa e que você acabou lavando
a louça do almoço inteiro. A maldição da pia na casa da minha avó é a seguinte:
encostou a barriga por ali, só consegue sair quando tudo estiver lavado – e esse
tudo é quase um infinito.
Se alguém acha que acabou está enganado: a loucura do almoço demora tanto tempo para acontecer integralmente que quando o último prato do último ser humano a comer acaba de ser lavado, podem acreditar em mim, já está na hora de colocar a mesa do café, porque o primeiro que almoçou certamente já está com fome de novo.
Na casa da minha avó SEMPRE tem louça na pia. Sempre tem comida na mesa. Sempre tem café passado. Sempre tem sacos de pão, arroz na panela, potes de manteiga, bife fritando, torta no forno e... louça suja. Louça suja na mesa, louça suja na sala, louça suja na pia, louça suja. Louça suja esperando o próximo santo (ou espertinho) que vai resolver lavar a sua própria bagunça e não conseguir sair dali nunca mais – pelo menos até o horário da próxima refeição. E se vocês acham que isso é enfadonho vocês entenderam tudo errado. Não é, gente. Eu juro.
Já lavei alguns tipos diferentes de louça na minha vida e o que eu posso dizer sobre isso é: enfadonho de verdade é lavar, em silêncio, seu próprio copo, seu próprio prato, seus próprios talheres, acabar em cinco minutos e voltar a assistir televisão. Enfadonho é lavar sozinha a louça que você sujou sozinha comendo sozinha. Lavar quinze pratos com família conversando em volta, alguém enxaguando, alguém secando, alguém tirando do escorredor, alguém pedindo mais um ovo frito – isso é privilégio, não enfado.
Enquanto a mesa estiver barulhenta, enquanto a pia estiver cheia, enquanto eu estiver resmungando porque sobrou pra mim: aí eu sempre estarei lembrando da sorte grande que eu tive de nascer na família que eu nasci. Que Deus nos livre da casa vazia, da mesa vazia, da pia vazia – isso sim é um problema sério.