quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Literatura, a melhor das estradas

“I lived in books more than I lived anywhere else.”
— Neil Gaiman, The Ocean at the End of the Lane

Uma vez eu fiz um post aqui falando sobre como comprar livros era uma aposta. Hoje vou ampliar a questão para abranger todo um estilo de vida: o de quem se dedica à literatura.

Tem gente que lê e tem gente que não lê (dá pra acreditar?). Acho fácil separar nessas duas caixinhas. O tipo mais interessante, ao meu ver, é quem fica no meio do caminho. Sabe quem fica com vontade de ler um livro específico, entra na livraria, compra, lê e segue a vida? Então. Meu pai é assim. Ele ficou com vontade de ler Harry Potter e leu os meus. Ficou com vontade de ler Dan Brown, comprou os livros e leu. Quis ler Senhor dos Anéis e leu. E pronto. Esse tipo de pessoa fecha a página e segue a vida. Esse tipo de pessoa realmente consegue “fumar só mais um cigarrinho”, uma vez a cada duas semanas, e não viciar.

Literatura, pra mim, é completamente ininterrupta. Eu emendo um no outro e não vejo nada mais lógico que isso. São muitos livros pra ler e muito pouca vida pela frente (vamos chutar aí, se Deus quiser, mais uns 70 anos) para dar conta de tudo e então eu e as melhores pessoas que eu conheço simplesmente não considero que pausas sejam algo razoável. São perda de tempo. Um dia sem ler é um dia perdido.

Não que seja difícil, porque eu não decidi isso um dia na minha vida e passo meu tempo cumprindo metas. Eu simplesmente faço; simplesmente leio (assim como a mairoia dos bookaholics, senão todos). É extremamente natural acabar um livro e pegar outro e, portanto, nunca estar sem ler. Mas não é uma estrada sem percalços. Existe alguma estrada, afinal, que seja?

Já me peguei milhões de vezes sentada na cama olhando para os meus livros e pensando que mais um ano se passou sem que eu tenha feito nada da vida além de ler – e tenha lido menos do que deveria. Sempre é mais E menos do que deveria. 

O caminho da literatura é uma aposta. Uma vez alguém comentou comigo que quem me vê lendo um livro atrás do outro deve pensar que eu to sempre feliz da vida, amando tudo o que leio. Eu ri. Imagina só, que maravilha, gostar de tudo o que a gente lê? Reiterando o que acabei de dizer, ~viver para a literatura~ é uma aposta. Você lê, lê, lê, lê, da uma porção de “3 estrelas” e vezenquando consegue dar 5 com tanto, mas tanto gosto que não resta nada a fazer a não ser parar e agradecer por ter resolvido se envolver nessa roubada que é ser apaixonada por livros. É pura aposta, repito, ler 60 livros por ano torcendo pra achar uns 20 maravilhosos e ter certeza que os outros 40 valeram a pena – seja porque foram bons, porque foram razoáveis ou porque foram horríveis, afinal de contas, criticar com propriedade é sempre uma opção viável.

Resolvi falar tudo isso porque acabei de passar por um desses momentos brilhantes. Era meia noite e cinco, mais ou menos, quando terminei de ler a última página de “A Trama do Casamento”, de Jeffrey Eugenides, e não tive outra reação que não fosse fechar o livro pensando “THIS” e dar uma salva de palmas.

Aviso de antemão aos empolgados que “A trama do casamento” não é um livro que se ama. É um livro que se aplauda. A diferença? Toda ela. Tem livro que pega a gente pelo coração. Que você lê querendo mastigar as páginas, sentindo na alma cada trecho dele. Esse não. Ele te agarra pelo brilhantismo mesmo. Porque ao invés de “own”, você pensa “CA-RA-CA” e “genial”. A obra começa morna, ao meu ver, mas vai martelando sua cabeça de forma tão direta que você não tem como chegar ao fim dela sendo a mesma pessoa que era no começo.

Pra quem lembrou do autor de algum lugar, sim, foi o Eugenides que escreveu “As virgens suicidades” e não, não tem nada a ver. Não só a história como o estilo e toda a proposta narrativa. Não parece que foi a mesma pessoa e é nítido o quanto ele amadureceu. Não que ele não tenha enfiado o pé no peito da galera com as virgens – porque enfiou lindamente – mas como eu disse, no primeiro caso foi no coração e dessa vez foi no cérebro mesmo. Eugenides me deu um nó. E eu não podia estar mais feliz com isso.

Literatura, é sempre uma honra ter a minha vida desconfigurada por você.

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12 comentários:

  1. Adorei seu post demais e além da indicação linda que você me deu mais cedo, fiquei com ainda mais vontade de ler A trama do casamento porque ele te inspirou pra esse texto maravilhoso. Tem até EPÍGRAFE e queria muito me apaixonar por Neil Gaiman nessa vida, mas só li Coraline e não gostei tanto assim.

    Quanto ao post, vou ter que discordar de si (como diria Saramago em seu português de Portugal) e as melhores pessoas são aquelas que emendam uma leitura atrás da outra. Qual o sentido da vida se você acorda e não tem um livro nem que seja pra abrir e ler duas páginas ou pensar que vai começá-lo assim que surgir a oportunidade? É pior do que ficar sem entrar no twitter, é uma vida VAZIA hahaha </3

    Fiquei pensando na diferença entre livros que te agarram pelo coração e os livros que merecem aplausos no final. Acho que faz pouco que comecei a me interessar pelo segundo tipo. Pouco tempo se comparado o tanto de tempo que a gente lê, né? Será isso a maturidade? Oh meu deus estou idosa hahahaha.

    Queria muito pegar algum do Eugenides pra ler agora, mas o final do ano está chegando e começo a me sentir culpada por não ter lido nem metade dos livros que tinha selecionado pra esse ano. Mas vou checar os preços no kindle, vai que..! hahahha. beijos!

    #nowplaying Starlight, Taylor Swift

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  2. No caso da minha humilde vida, posso dizer que é desconfiguradíssima mesmo.Mas vale muito a pena. Mesmo quando é um meia estrela. E principalmente nas "ressacas" tipo a que tô vivendo agora. Tô mergulhada em dois calhamaços que estão me mastigando, mas amando cada segundo.
    A Trama é um livro pra se amar, aplaudir, beijar e guardar pra vida. Essa protagonista vai me assombrar por muito tempo ainda.
    Sou muito feliz com a minha escolha de viver pra literatura. E mais feliz ainda com as pessoas que encontrei no caminho. <3
    Te amo!

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  3. Também sou desses "chain-readers". Vez ou outra um livro consegue me fazer parar por um tempo, no máximo um dia, pra ficar pensando. Outros dias quero mais escrever. Mas, no meu normal, é um livro atrás do outro. Só que trapaceio nas minhas apostas. Pesquiso direto autores e livros, no fim, quando fecho a compra, sei toda a ficha de quem escreveu cada livro, do ano que nasceu até o que gosta de comer no almoço. Aí os cinco estrelas são mais comuns, mas os uma, duas estrelas são como um desmoronamento.
    Não cheguei no Jeffrey Eugenides ainda, mas ele tá na minha lista. Toda a geração de escritores de língua inglesa da qual ele faz parte (além dele eu encaixaria: Zadie Smith, David Foster Wallace - gênio -, Jonathan Frazen - não simpatizo com a cara dele, mas nunca li pra poder dizer qualquer coisa -, Nicole Krauss etc.) é muito interessante. Se bem que, recentemente, ando me dedicando aos nacionais. Dá pra viver uma vida, lendo só livro brasileiro (e não só clássicos, muita gente contemporânea muito boa), um atrás do outro, e morrer satisfeito. O vício da vez é o Sérgio Sant'anna - por que não me ensinaram sobre esse cara na escola? -, quero ler toda a bibliografia do cidadão.

    delirandoeescrevendo.blogspot.com.br

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  4. Eu amo esse tipo de texto apaixonado, Analu. <3 Literatura eh vida. Nao sei como as pessoas aguentam viver sem ter vontade de conhecer tantas historias brilhantes e geniais dispostas nas livrarias e sebos. Amo demais essa vida.
    Porem, hipocrita que sou, preciso dizer: to parada desde que vim pra Europa. To lendo Anne Frank ha dois meses e nao cheguei nem na metade do livro. Acredita? Da ate vergonha, mas sei la, to esperando o timing perfeito.


    Quero muitissimo ler A Trama. Todo mundo fala bem. *-* E sobre deixar a literatura nos desconfigurar: nao ha coisa melhor na vida.

    <3 Beijos

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  5. Eu sinceramente não consigo entender como as pessoas conseguem viver sem ler. Mas eu juro que entendo menos ainda como alguém consegue ler esporadicamente. Sério mesmo. Tudo bem que eu sei que sou uma descontrolada em tudo na vida e que tenho muita aptidão pra vícios e pouca aptidão para a moderação e o autocontrole, mas ler é tão bom! Mesmo no estado que eu estou agora, quase completamente incapacitada para ler, eu ainda sofro muito de abstinência e saudade dos meus livrinhos. É por isso que (masoquista ou não) eu corro atrás da única coisa que estou conseguindo ler -- livros depressivos. Talvez não me faça bem, mas "não ler" também não me faz.
    Fiquei com vontade de ler a Trama do Casamento desde que vocês comentaram sobre na máfia. Quem sabe não vai ser uma das minhas próximas aquisições.
    De novo, te amo <3

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  6. Eu acho muito engraçado observar esses leitores de ocasião. A maioria dos meus amigos é assim, lê um livro um dia, pega outro meses depois, e vida que segue. Como vivem essas pessoas? O que pensam? Questões que nunca deixam de me intrigar. Eu não consigo me imaginar sem um livro, não sei o que é minha vida sem estar lendo, porque desde criança existe eu e um livro na minha mão.

    Achei bem auspicioso ter lido esse texto justo agora, porque há poucas horas eu estava terminando um livro desses de aplausos, que me pegou pelo cérebro e me deu um nó. Isso foi maravilhoso o bastante pra ter me mantido grudada nas últimas páginas mesmo quando eu tinha coisas mais importantes (e urgentes) pra fazer, e agora eu ainda não consegui seguir com a vida, porque tô aqui pirando e pensando sobre isso e pensando que é muito melhor viver num mundo onde existem livros, e gente que os escreve, mas, principalmente, gente que lê e se apaixona, pra viver tudo isso em conjunto.
    Te amo!
    beijos <3

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  7. Nessa postagem mencionada eu comentei que " a leitura era uma arte que não consumimos por inteiro...". Mas, vai além de consumir milhares de livros para colocar na estante, e sim, consumir a leitura como um todo...O ultimo livro que está na minha bolsa demorou para chegar a pág 100. fiquei uns dias angustiadas tentando achar motivos para isso, e acabei concluindo que tem leituras que demoram como um comida que devemos saborear com calma... Já peguei varias vezes devorando livros e tendo as melhore sensações do mundo... e outros livros como um suspiro de "é, acabou...".

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  8. Leio esse post e só consigo pensar na quantidade absurda de tempo que eu estou perdendo enquanto acumulo uma quantidade vergonhosa de livros que eu ando acumulando na minha escrivaninha porque só admito que sejam guardados na estante depois de lidos. Eu era bem esse tipo de pessoa que ficava com vontade de ler uma coisa, lia, e daí encontrava outra pra ler, porque não conseguia ficar sem um livro do lado. Mas eram sempre escolhas específicas, fosse por indicação de alguém, fosse por vontade própria. Acho que nunca entrei numa livraria e escolhi um título completamente aleatório, do qual eu nunca tivesse ouvido falar. Já fiz isso em casa, com os livros do meu padrasto, e uma das escolhas foi absurda de tão maravilhosa, mas jamais comprei nada nesse esquema.
    Se eu visse a capa desse livro, provavelmente ia achar que ele era muito mais own do que CA-RA-CA. E agora que eu parei pra pensar, tem muito tempo que não leio um livro ai MDDC, sabe? Agora tô empacada no último conto de Zumbis x Unicórnios, um livro que eu tinha muita expectativa, mas que acabou se mostrando meio fuén. Paciência, né. Faz parte do jogo. Por favor, que A Trama do Casamento faça comigo o mesmo que fez com você e que eu tenha, plmdds, um livro pra movimentar a categoria MDDC.

    beijo! <3

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  9. Eu tenho séries dificuldades em compreender o que leva alguém a não se apaixonar por livros. Eu não sou dessas que emenda uma leitura na outra (mas gostaria), mas estou sempre pensando no próximo livro que vou ler. É tão natural se envolver nas páginas, na história, sentir ansiedade de finalmente ter um tempinho livre pra continuar a leitura...
    Livros são de fato, muuuuito vicitantes!

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  10. Ai gente! Como sempre, fico morrendo de vontade de ler os livros que indica!
    Já foi pra lista!

    Não consigo imaginar como a vida seguiria sem estar lendo algo.
    Neste semestre tenho lido tão TÃO pouco que tô quase experimentando o outro lado :/

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  11. Ah! Essa frase do Neil Gaiman é o amor da minha vida. Simplesmente tatuaria se eu não tivesse tanto pavor da agulha, haha. E esse texto seu também é amor! Me identifiquei completamente: pra mim é absolutamente normal ler um livro e logo emendar mais um e depois outro, num loop infinito de leituras. Não consigo sequer conceber a ideia de ficar um dia sem ler. E talvez isso seja meio obsessivo, mas não ligo, haha, acho que já faz parte da minha personalidade. ;D

    Um beijo!

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  12. Eu também sou dessas que emenda um livro no outro e, agora, lê mais de um ao mesmo tempo.

    Esse aí já entrou pra lista desde que você me recomendou. Depois de ler esse teu texto, me deu vontade de fazer ele cortar a fila dos que eu pretendia ler em seguida.

    Agora, quer ver um livro que eu fiquei assim igual você? Tipo, CA-RA-CA!!!! Cem anos de solidão, do Gabriel García Márquez. É um livro que eu fiquei sem fôlego, que eu ria e chorava quando lia de TÃO lindo que ele escreve. Já leu?

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