Se tem uma coisa que eu adoro
caçar na literatura, essa coisa é a narrativa diferenciada. Em português
claro, amo autor que inventa moda. Plots diferenciados já me chamam a atenção,
mas se a mudança for na forma de narrativa a chance de eu buscar o livro é um
tanto maior. Foi assim que eu comprei Cartas
de amor aos mortos logo que ele começou a estourar por aqui, mesmo já tendo
lido algumas resenhas não tão positivas por aí. Comprei e acabei deixando ele
de lado na estante e fui lendo outras coisas, até que decidi que estava na
hora.
Se eu pudesse usar apenas uma
frase para defini-lo, essa frase seria: Minha
Nossa Senhora do plot mal aproveitado. Porque, gente, cartas de amor aos
mortos. Podia ter tanta coisa genial. Tanta coisa subjetiva. TANTOS mortos
diferentes que gerassem diferentes significações por parte da personagem, mas
não. Tudo bem que a personagem em questão tem 16 anos e diferente dos adolescentes
de John Green, é uma adolescente bem típica, cheia das questões superficiais e
quase nada existencialistas. O detalhe é que ela perdeu a irmã, e vive sua vida
pensando nesse assunto pois tem certeza que teve culpa nessa morte.
O livro fala, em suma, de
questões da adolescência: colégio, amizades, experimentações e encrencas
familiares. Tudo isso, logicamente, com o toque a mais da morte de sua irmã.
Embora eu tenha achado que o plot poderia ser brilhantemente mais explorado se
a adolescente fosse existencialista e gênia OU se o personagem fosse bem mais
velho, entendo que esse livro não foi escrito exatamente para a minha idade e
respeito o fato de que talvez essa escrita não tenha sido mesmo feita para ME
atrair, embora ache que o público que tenha sentido curiosidade foi justamente o público
do YA. A autora não aproveitou um décimo da significação que poderia ter
aproveitado com a escolha das pessoas mortas e a escrita das cartas, mas tudo
bem, podemos seguir em frente. Achei os personagens muito mal explorados também: o esqueleto deles era bem bacana, e ela largou de mão a chance de desenvolvê-los, bem como aprofundar suas questões. Sobre a história de amor instântanea e mal fundamentada de Laurel e Sky também não vou comentar, porque eu não costumo ter grandes problemas em engolir histórias de amor que começam do nada, de forma que sei muito bem que o que me transtornou durante todo livro foi a
ineficácia da autora em respeitar o gênero que ela mesma propôs.
Sua ideia é escrever um livro inteiro
de cartas? Vai ser difícil, mas faça isso direito. Ava fez exatamente o contrário. O livro é inteirinho de “cartas”. Inteirinho. Não tem um
trecho dele que não seja uma carta. E foi, ao meu ver, bem aí que a autora errou. Em Claros sinais de loucura,
por exemplo, a proposta era escrever cartas para um personagem de seu livro
favorito e a menina escrevia as cartas espaçadamente, complementando a
história. Em Cartas de amor aos mortos,
não. É só carta, carta e mais carta. E ao querer narrar a história de um livro
inteiro só em cartas, a autora desvirtuou completamente o gênero proposto! Vocês já
receberam cartas com mais de uma página de diálogos inteirinhos? Pois é, nem
eu.
Além dos diálogos na íntegra, na
grande maioria das cartas a autora ignorava totalmente a existência de um destinatário! São raríssimos os casos onde ela realmente aproveita a história do morto a quem a carta se dirige para contribuir com a história. Num geral, ela apenas jogava um motivo para a escolha do destinatário logo no início e depois se perdia completamente. Exemplo: "Querido Kut Cobain, hoje rasguei seu pôster da parede do quarto da minha irmã" e então ela mudava completamente de assunto. Isso começou a me irritar de tal maneira que toda vez que eu abria o livro eu
acabava com vontade de tacar ele na parede. Muito fácil querer enganar o leitor
prometendo uma narrativa diferenciada e apenas colocar: “Querida Elizabeth Bishop”
no início e “beijos, Laurel” no fim para dizer que se tratam de cartas, sendo que o que vinha entre a dedicatória e a assinatura absolutamente não era uma
carta.
A história do livro não é de todo ruim. Como eu disse, fala majoritariamente sobre adolescência, e não faz isso de uma forma que fique aquém a muitos livros de adolescentes que vemos por aí. Além disso, o livro fala de morte e de abuso sexual, o que, por definição, seria um ponto positivo a mais por propor o debate de assuntos mais sérios. O livro poderia ser 3 estrelas beirando 4 se Ava não tivesse subestimado totalmente a inteligência do leitor crítico e inventado uma narrativa por cartas que ela absolutamente não conseguiu cumprir. Acho que o que mais me irritou foi o fato de ter passado o livro todo me sentindo enganada. Quando eu compro um livro de cartas eu quero ler cartas e não uma narrativa fantasiada com beijinhos no fim de cada capítulo. É pedir muito?