Acredito piamente que cada um tem total direito de reclamar dos próprios problemas. Mesmo que eles sejam “ínfimos” perto dos grandes problemas sofridos pelos outros. Mesmo pensando dessa forma, não consigo não ficar com vergonha de mim mesma quando “entro em contato” com a realidade insuportável de algumas pessoas. Muitas vezes é a literatura inspirada na realidade que me entrega essa visão. Foi assim com Cidade do Sol, do Khaled Hosseini, e não poderia ter sido diferente com A vida em tons de cinza, da Ruta Sepetys, que eu terminei de ler chorando (e Deus sabe como isso é raro) neste último domingo.
A obra fala de guerra, e está aí um assunto no qual eu não sou muito chegada. Tenho um pouco de preguiça e insisto na mania de pensar que todo mundo só quer fazer mais do mesmo e que a exploração desse assunto já não rende muito além de um monte de obras parecidas. Que bom que nem lembrei que não curtia o assunto quando comprei esse livro e o devorei. Esse é certamente o tipo de livro que te deixa com embrulho no estômago, e se tem uma coisa que eu adoro, essa é sair da zona de conforto quando leio.
A história é narrada em primeira pessoa por Lina, uma adolescente que é jogada em um vagão de trem com sua mãe, seu irmão mais novo e muitas outras pessoas que tinham uma vida tranquila em seu país (Lituânia) e foram expulsas de lá simplesmente porque Stálin decidiu que devia ser assim.
Já falei um tanto aqui sobre ditadura e sobre como esse é o tipo de maldade que mais me tira do sério, simplesmente porque eu não consigo admitir que alguém um dia acorde na certeza de que pode decidir o que quer do mundo e acabar com a vida de todo mundo que estiver pela frente para fazer o que acha que é certo. E foi por isso que eu passei, mais uma vez, muita raiva lendo. Porque, sabe, são pessoas jogadas em trens apertados. Tiradas de suas camas para trabalhar sem comer. Exploradas no frio e mortas deliberadamente porque sofriam. Em um dos trechos que mais me emocionou, Lina diz que do lado de fora de seu vagão estava pichado Criminosos e Putas. Ela olha então para a recém-nascida que foi tirada da maternidade e jogada lá junto com sua mãe e concluiu o óbvio: Ela mal acabou de nascer e já é uma criminosa. Afinal de contas, cadê o sentido desse mundo, não?
Cenários de pessoas sendo escravizadas em guerra me tiram completamente do sério, e eu não consigo admitir que reclamo de tomar chuva chegando no trabalho enquanto pessoas realmente passaram por todas essas atrocidades, e o pior, continuam passando e MUITO por aí.
Hoje o pessoal do Hypeness publicou um vídeo chocante que uma ONG britânica gravou, sobre o cotidiano de uma criança que era feliz e de repente passa a viver em tempos de guerra. No fim do vídeo, a frase: Apenas porque não está acontecendo aqui, não significa que não está acontecendo, e isso me traz a dolorida reflexão de que eu vivo ignorando tudo isso, e devo continuar não focando no assunto, para manter minha sanidade, mas isso não muda o fato de que sim, toda essa coisa horrível continua acontecendo por aí.
Ruta me obrigou a lembrar de tudo isso e o fez de uma forma muito digna e bem feita. Foram anos de estudos e pesquisas (escritores, por favor, foquem nessa mulher e entendam o quanto o conhecimento é importante para a construção de uma obra) que culminaram em uma história coerente e bem fundamentada. Além de emocionante. Agora, podem me chamar de coração de pedra: Achei totalmente vazia a relação da protagonista com Andrius, o outro adolescente que está em seu grupo. Para mim, nitidamente a autora pensou que devia colocar uma dose de romance para validar seu livro, e eu podia ter passado muito bem sem a historinha de amor no meio da guerra. Porque o foco não está nela, ela não é real como foi em O Diário de Anne Frank, e, na minha opinião, não faria absolutamente nenhuma falta. Mesmo assim, dei 5 estrelas. Porque ela tirou minha cabeça do confortável e me deixou esganada de raiva do mundo. E eu adoro quando isso acontece.
Eu adoro livros sobre guerras. Não que a desgraça alheia me interesse, mas o assunto em si, sabe. A crueza desse mundo que a gente conhece tão pouco (porque nunca o viveu). Até hoje não encontrei um livro ou filme parecidos entre si, em cada um encontrei um sentimento, uma denúncia diferentes, mas concordo com você: é muito fácil se repetir nessa categoria, afinal, o que é a guerra? Injustiça, sofrimento, desavenças entre dois lados, e não dá pra mudar muita coisa...
ResponderExcluirBem que "A vida em tons de cinza" tem um título que deixa a gente com o pé atrás, né? Depois dessa trilogia que lançaram por aí haha :P vai entrar pra minha lista de leitura, só que vou esperar meu emocional estar melhor pra aguentar o tranco!
(e pode me bater, mas O Diário de Anne Frank é o livro mais "irritável" que já li, acho que não tenho coração)
Pior (talvez) que guerra é assunto que eu adoro estudar e ler sobre. Como disse a Del, não por eu gostar de ver desgraças na vida alheia, mas por me interessar pelo assunto e sempre querer saber como se deu, os motivos e afins. Bem, desde sempre que História é minha matéria favorita, mesmo eu nem estudando mais - e livros que tratam de história, seja ela como for, sempre vão me interessar.
ResponderExcluirE depois desse seu texto tão cheio de sentimentos, impossível não ficar curiosa para ler "A vida em tons de cinza", já adicionei ao Skoob para não me esquecer do título. Gosto de leituras que me fazem pensar, e essas que nos dão um choque de realidade são perfeitas para isso.
Belíssimo, não tenho muito o que falar, mas me tocou.
ResponderExcluirApesar de ter ficado interessada logo quando a Tary começou a falar sobre esse livro, confesso que ainda não tinha sentido aquela urgência absurda de lê-lo, sabe, justamente porque sempre espero as mesmas coisas desse tipo de história, como você disse no texto. Mas se tem uma coisa que eu valorizo muito em tudo que leio é essa característica de me tirar totalmente do prumo e eu adoro demais quando isso acontece, mesmo que signifique fechar o livro chorando e querer jogar uma bomba no universo.
ResponderExcluirVocê precisa tanto ler Reparação que nem faz ideia!
beijos, Bananinha <3
Nossa, você escreve muito bem, adoro descobrir blogs de gente pensante, e definitivamente, seu texto mexeu comigo, pq:
ResponderExcluir1. eu sinto as mesmíssimas coisas
2. tenho nojo do mundo (e de mim mesma) quando leio livros ou vejo filmes sobre a guerra.
Fico achando o mundo egoísta demais pra sentar sobre o próprio rabo e continuar agindo como se todos pudéssemos lidar com isso, já que não está acontecendo aqui.
O fato é que, desde que mundo é mundo, acontecem atrocidades pavorosas no mundo e ninguém parece se importar um tico com isso. Fico besta como pode alguém achar que pode acordar um dia e aniquilar a vida e dignidade de milhões de pessoas, isso sem contar as pessoas que tem suas próprias guerras particulares por aí. Isso realmente me incomoda.
Quando eu tiver oportunidade vou comprar esse livro que você citou.
Beijos!
http://www.canseidesernerd.com
Eu sou meio fascinada por assuntos de Guerra, não por achar que o assunto mereça ser glorificado, mas por querer entender de alguma forma fazer minha parte para que essas coisas deixem de existir de uma vez por todas. Gosto de História e tudo que a envolve e infelizmente as Guerras estão infiltradas em vários "cantos" do mundo, desde sempre!
ResponderExcluirMe interessei muito pelo livro.
Incrível como o universo, de alguma forma, está sempre me colocando perante pessoas que tiveram o mesmo estalo de pensamento que o meu. Por esses dias eu estive pensando em escrever algo que estivesse no mesmo espaço em que o teu texto está, justamente por conta do vídeo da ONG e de alguns recentes acontecimentos. O questionamento sobre como o propósito de uma guerra, um conflito, pode se sobrepor tão facilmente sobre a vida (em todos os sentidos) está sempre presente em meus pensamentos. Bom, acho que nunca entenderei.
ResponderExcluirSobre o vídeo postado pelo Hypness: de verdade, mudou o meu posicionamento quanto às minhas atitudes. Acordei com um choque após tê-lo assistido.
Sobre o livro: irá, com certeza, para o "vai ler" do skoob.
Sobre o blog: vale a pena cada minuto que eu passo nele, pois absorvo muita coisa que eu sei que me evolui como pessoa, em todos os aspectos.
Um beijo!
Eu tenho esse livro que Tatá me deu de Natal, e não li anda! Mas está na fila, está na fila, e com certeza vai ser um dos próximos. Tanto que nem quis ler muito a resenha para não me ~influenciar~ hahaha
ResponderExcluirBeijo, amiga! Te amo!
Eu amo esse livro porque ele consegue ser tão pequeno, tão enxuto, mas enorme em humanidade e sentimento, sabe? Eu concordo com você que as histórias de guerra às vezes parecem repetições umas das outras, e acho que não tem por que continuar criando variações da mesma coisa quando tem tanta história pra contar. Tipo essa. Porque quanta gente sabe do que aconteceu nos países bálticos? Quantas histórias eu já tinha lido sobre um grupo de lituanos? Nenhuma.
ResponderExcluirEu concordo em parte com você quanto ao romance com o Andrius - poderia ter passado sem, a história não precisava de um romance, não faria falta... Mas não acho que a Ruta Sepetys tenha pensado essa parte no sentido de validar o livro. Vejo como só mais um modo de opor tudo o que um adolescente estaria vivendo, ou deveria ter *o direito de estar vivendo*, surgindo no meio de tudo aquilo. (E eu achei bonitinho).
Beijo!