Esse post faz parte da Blogagem Coletiva de Março do Rotaroots.
A ideia original, de escrever uma carta para você 10 anos mais jovem, é do site Hypeness.
O tempo passa. E eu já começo essa carta utilizando esse clichê terrível de falar do tempo (que nós duas odiamos amar) porque preciso que entendamos essa máxima de uma vez por todas e sei que se você entender, aos onze anos, será muito melhor e mais produtivo para nós duas. Faça um esforço, vou repetir para fixar: O tempo passa.
O que eu quero dizer com isso? Bem, vamos lá. Posso parecer metida a sabichona, mas eu sei exatamente em que pé da sua vida você está, e sei tudo o que você está pensando sobre isso. Você está na sexta série e acabou de mudar de escola. Suas novas amigas não são tão amigas assim e você já está percebendo isso. Elas escondem seu estojo quando você sai da sala e fazem você se estressar procurando por ele. Já fizeram coisa bem pior que isso aí, aliás. Eu sei. Antes de mais nada, quero te dizer para não guardar rancor. Elas são adolescentes, tanto quanto você, e embora pareçam saber de tudo, não fazem a menor ideia de nada. São altas, são mais velhas, são mais espertas, mas não são superiores. Ser popular não é tão importante quanto parece. Não se acanhe, nem se julgue: você é exatamente como deveria ser. Brinque de boneca enquanto ainda tiver vontade, por favor. Não tem nada de mal nisso, eu juro. Um dia essa vontade passa, e você não será uma adulta pior por ter demorado um pouco mais que para dar o primeiro beijo.
Voltando a falar de amizade, uma dessas amigas vai sofrer na mão das outras também, tão logo você seja excluída do grupo. Isso, essa mesma, você sabia o tempo todo. Essa menina vai te ver sentada, sozinha no intervalo, lanchando. E vai te chamar para sentar com ela, porque agora ela também está sozinha. Você vai agir certinho: Não vai nem lembrar que ela também escondia seu estojo. Vai sentar para lanchar com ela como se sempre tivesse sido assim. E talvez tenha sido sempre assim mesmo. Se não foi, vai ser, por muito tempo. Você e ela vão se descabelar uma com a outra e brigar um tanto, e vai ser sempre igual: ela vai esbravejar e você vai chorar. Depois de, pelos meus cálculos, uma média de 30 minutos, vocês farão as pazes e ficará tudo bem. Sempre fica. É o que a gente espera.
Eu sei também que você quer fazer medicina, mas desmaia com sangue. Acho lindo sua perseverança, e morro de orgulho dos seus sonhos de abrir um consultório. É aí que entra uma das coisas principais que tenho a te ensinar sobre o tal do tempo e o fato dele passar: sonhar é lindo, meu amor. Há até quem diga que sonhar é fazer o rascunho da vida. O ponto é que às vezes acontece o contrário, e o que a vida te dá é um rascunho mal feito do que você sonhou. E você vai pensar que perdeu tempo demais na sua vida sonhando acordada ao invés de viver. Esse tempo que você está perdendo enquanto se estressa querendo que o futuro chegue já é a sua vida. Pare de esperar pelos 25 com essa ânsia desesperada de estar com a vida feita. Não quero te desanimar, mas é que já estamos com quase 22, e a vida não está nem perto de estar feita. E eu juro que não faço ideia de em que ponto foi que as coisas desandaram, senão eu te avisava. Eu não estou querendo te decepcionar, estou querendo te dar um conselho coerente: Se você já sabe que a vida aos 21 também não vai ser perfeita, aproveite a imperfeição dos seus 11 sem essa gana de alcançar uma idade que não vai te trazer prontos todos os seus sonhos realizados. Aliás, um adendo rápido sobre sonhos: Eles nunca estarão todos realizados, e essa é a graça. Temos que ter pelo que esperar. E curtir muito essa espera, porque ela já é a nossa vida.
Já que toquei anteriormente no assunto da sua sexta-série, sei que você morre de medo da sétima. Não tem nada de diferente das outras, tá? Você vai estudar, passar desde o terceiro semestre, e se soubesse antes não teria se preocupado tanto em decorar tudo o que tem dentro de uma mitocôndria. Não vai cair na prova. E se você quer saber mais, as coisas mais importantes da vida nunca cairão na prova. Não é um 10 em matemática que vai moldar seu caráter, e seus pais não vão te amar menos o dia que você tirar um 6. Aliás, seu 6 vai chegar esse ano. Em uma provinha mensal. E você vai chorar e pensar que seu mundo acabou. Não acaba não, eu juro! Juro juradinho e ainda te conto um spoiler: Aos 16, você vai tirar um 4 em uma prova bimestral de física e vai morrer de rir, agradecendo por não ter sido um 0. Calma, não me bate. Não foi aí que sua vida desandou, e você não virou vagabunda: Você só começou a aprender que não tem como ser boa em tudo. Em biologia e português você vai continuar tirando notas ótimas, pode voltar a respirar.
Vamos parar de falar de notas. Sei que esse é um de seus assuntos preferidos, mas está longe de ser um dos meus. Preciso falar um pouquinho de Harry Potter, porque sei que sua carta de Hogwarts não chegou. Estou com 10 anos de vida a mais na bagagem e ainda não superei o fato de ter nascido trouxa, então entendo sua mágoa. Quer um consolo? Você não sabe como a série acaba, mas eu sei, e você, tontinha do jeito que é, ia tomar um Avada Kedavra na cara no primeiro minuto de batalha. Foi melhor assim. Se você tivesse recebido a carta, provavelmente não estaríamos mais aqui.
Ana, agora eu preciso falar sério. Coisas inimagináveis vão acontecer na sua vida. Coisas boas e coisas ruins. E sobre isso, tentarei te passar como mantra uma frase que vi por aí: Deixe seu sorriso mudar o mundo, mas não deixe o mundo mudar seu sorriso. Aos quase 22, estamos, juntas, tentando acreditar no universo. Tentando acreditar que vai fazer sentido. Tentando acreditar que vale a pena. Então eu te peço: Reforce sua fé. Se você não reforçar a sua, vai acabar faltando para mim. Acredite na vida, Ana. Acredite no mundo. Por favor. Acumule fé. Ela nunca é demais, e se um dia ela nos faltar, então não nos sobrará nada.
Quero te falar mais coisas, para não te deixar sobrecarregada de pedidos doloridos. Ah sim. Tente entender seus pais, tios e avós, mocinha. Eles são bem mais vividos que você, que aliás, não está nem perto de ser dona do seu nariz. Continue batendo algumas portas e chorando de raiva porque eles não te deixam faltar aula e nem ficar no computador depois das 22h. Bater portas e chorar de raiva de quem manda em você faz parte da vida. Eu sei que você acha que eles não fazem a menor ideia do que estão fazendo, e talvez eles não estejam mesmo. Nossos adultos não sabem de tudo, Ana. Eles vão errar algumas vezes, mas vão acertar na maioria delas, e você vai ser uma pessoa muito melhor do que seria se não tivesse aprendido o que são limites.
Para além disso, sabemos que você tem a sua própria cabeça, e vai utilizá-la, o que é perfeitamente justo. Você terá ideias e convicções diferentes das deles. Quando estiver irritada achando que eles têm pensamentos ridículos, lembre-se que foram eles que te tornaram um ser humano coerente o suficiente para aprender a pensar com a própria cabeça e discordar do que eles dizem. Eles já acertaram muito, e não é porque você pensa outras coisas que tudo o que eles pensam deve ser rechaçado. Nem por isso abaixe sua cabeça. Procure o equilíbrio. E quando for começar a discordar utilizando seus próprios argumentos, tente não chorar. Nem gritar. Fale baixo, segura de si. Mostrar que você tem consciência do que diz (e do que quer) é muito mais eficiente que lágrimas e soluços, tá bom?
Ah sim. Para terminar, vou falar um pouquinho sobre medo. Você é medrosa, Ana. Eu sei que é. Nós somos. Mas aos 5, você disse para sua mãe que jamais entraria em um avião. Aos 7 você entrou e achou muito divertido decolar comendo milho, lembra disso? (Um adendo: Espero que você tenha aproveitado bastante o seu milho. Hoje em dia as companhias aéreas não servem nem amendoim mais.) A vida é uma sucessão de medos, Ana. Se eles serão enfrentados ou não, depende de você. Depende de nós. Não fuja de seus medos. Não os enterre em baixo da cama. Coloque-os na sua frente. Assuma-os. Respeite-os. E encare-os. E quando não conseguir encarar, tudo bem. Chore. Respire fundo. E vá de novo. E se estiver com medo, vá com medo. Mas vá. Eu confio em você. Confie em mim. Só nós podemos fazer isso dar certo.
Ah, sobre as fotos. Na primeira você está brincando com a Kimmy. A Kimmy continua conosco, cada dia mais deliciosa. Tem coisas que não mudam. Na segunda foto, sou eu mostrando a língua no nosso baile de formatura da faculdade. Sim! Nos formamos! Não foi em medicina não. Mas não vou contar o que é para não perder a graça. Você vai descobrir sozinha aos 15 anos. Prometo.