Eu não sou uma pessoa rancorosa. Eu carrego esse anti-rótulo (?) comigo mesma há muito tempo, acho que desde um dia, lá na época do colégio ainda, quando eu aprendi que eu nunca queria ficar brigada com as pessoas e que não tinha problema nenhum em pedir desculpas - mesmo que a culpa não fosse minha - só para acabar com a briga de uma vez. Sempre tive pra mim que isso era muito nobre, inclusive, pedir logo desculpas, independente do que estivesse acontecendo, para cessar a briga de uma vez e aproveitar a vida, "que é muito curta para ficar brigada com alguém", outra dessas verdades de botequim que eu sempre entoei na minha cabeça e na dos outros.
Estava pensando nisso tudo esses dias, mais uma vez, após conversar com a minha amiga e conseguir elencar para ela tudo aquilo que eu devia conseguir elencar sozinha: às vezes, também, é muito importante ter pra gente mesmo que NÃO, nem tudo é nossa culpa e que NÃO, às vezes não é legal assumir qualquer frustração do outro e/ou desentendimento superficial ou sério somente para que tudo pareça mais tranquilo, a conversa se resolva logo e a gente ainda saia feliz por ter sido o "maduro" da situação - ou chateado por acreditar piamente que a culpa é toda sua.
Refletindo sobre esse ato, o de se desculpar, lembrei de algumas passagens:
- De uma vez que fiquei muito brava quando um amigo meu me disse, depois de anos de amizade, que 90% das vezes que brigamos foi claramente culpa dele e eu sempre tinha sido a pessoa a pedir desculpas. Quando ele disse isso, rindo, eu me senti tão ridícula que não tive resposta para dar.
- De uma vez que um outro amigo ficou brigado comigo por meses a fio, sem sequer me dizer o motivo, enquanto eu, insistentemente, pedia desculpas TODOS OS DIAS sem nem saber o que eu tinha feito. Até hoje ele nunca me contou o que aconteceu, mas um dia, do nada, voltou a falar comigo, disse que a raiva tinha passado e, de quebra, me contou que o fato de eu ter ficado todos os dias pedindo desculpas sem nem saber porquê conseguiu irritá-lo mais do que o tal do motivo da briga: "Se você me pedia desculpas tão tranquilamente sem nem saber se realmente se sentia culpada pelo acontecimento, quer dizer que não se importa tanto, que pedir desculpas para você é banal". Mais uma vez fiquei sem palavras.
- De um texto que eu li sobre como é errada essa mania de impor às crianças, feito robôs, que elas devem olhar para o amiguinho e pedir desculpas imediatamente após tê-lo machucado. A situação deve ser conduzida de outra forma, e não de uma forma que induza uma criança a pedir desculpas sem que ela esteja se sentindo culpada, porque assim parece que um pedido de desculpas, ainda que fajuto, será sempre capaz de resolver tudo - ou, ao menos, de botar panos quentes.
Isso tudo me faz pensar que tem palavras que a gente diz demais e que acabam perdendo o sentido no meio do caminho. Me faz pensar que a gente, talvez, não tenha que pedir desculpas quando não se sente culpado só para dar um jeito nas coisas: por mais que a intenção seja, a princípio, nobre, não é bacana (principalmente) consigo mesmo aceitar estar numa relação onde você tem sempre que se assumir culpado para ficar tudo bem. Uma hora a bomba acaba estourando, de um jeito ou de outro, e você ainda pode ser obrigado a ouvir, de alguém dando gargalhadas, que você pedia desculpa até quando a culpa não era sua. Me faz pensar no quão errado é tornar automático o pedido de desculpas quando você simplesmente não se sente culpado ou nem sequer sabe o que fez. E last but not least, me faz pensar no quão perigoso e pouco saudável é a ideia de se culpar o tempo todo.
São dois caminhos porque, no meio dessa análise toda, consegui compreender dois lados distintos da questão: o de pedir desculpas toda hora sem se sentir culpado e o de pedir desculpas toda hora por se sentir culpado sempre. Tem algum pedidor de desculpas lendo esse texto maluco? Então vamos frisar junto/as: nem sempre somos culpados. Na grande maioria das vezes nem existe um culpado em uma situação ou discussão. É só a vida e as frustrações que ela inevitavelmente gera, e se a gente se culpa o tempo todo pelas frustrações do outro isso não vai levar ninguém a lugar nenhum: nem o outro e nem a gente.
Se culpando toda hora a gente tira do outro a carga que ele tem que aprender a carregar quando é a vez dele - e coloca nos nossos próprios ombros. E como é fácil colocar nos nossos próprios ombros, não é não? Às vezes também, como eu disse ali em cima, nem é culpa do outro. Não precisa ser culpa de ninguém. Coisas acontecem (e não acontecem), a vida acontece (e não acontece também). Neil Gaiman disse uma vez que um dos grandes problemas das pessoas é que a gente vira e mexe se esforça para ser gentil com os outros e esquece de ser gentil com a gente mesmo. Preciso começar urgentemente a aplicar esse exercício: antes de me sentir a pior das criaturas por algo que não é my shit, melhor relembrar que também tenho ser gentil comigo para poder ser melhor com os outros.
Agora se o âmbito for o outro caminho, o de pedir desculpas sem estar culpado, acho que o exercício é diferente. Elaborando mentalmente o que o amigo do segundo tópico disse, percebi que é realmente mais fácil pedir desculpas quando a gente não se sente culpado at all. Era muito fácil pedir desculpas para a minha amiga quando ela se estressava atoa, ficava de joelhos na carteira da escola e começava a gritar comigo - se eu pedisse desculpas logo ela ficaria sem graça, eu ficaria de boas, a gente ia voltar a conversar normalmente e tudo acabaria bem, era só isso, eu não tinha culpa.
Agora se o âmbito for o outro caminho, o de pedir desculpas sem estar culpado, acho que o exercício é diferente. Elaborando mentalmente o que o amigo do segundo tópico disse, percebi que é realmente mais fácil pedir desculpas quando a gente não se sente culpado at all. Era muito fácil pedir desculpas para a minha amiga quando ela se estressava atoa, ficava de joelhos na carteira da escola e começava a gritar comigo - se eu pedisse desculpas logo ela ficaria sem graça, eu ficaria de boas, a gente ia voltar a conversar normalmente e tudo acabaria bem, era só isso, eu não tinha culpa.
O buraco é mais embaixo quando a gente tem (ou não tem, mas sente) culpa de verdade: o dia que eu gritei com a minha tia e pensei que precisava pedir desculpas fiquei mais ou menos 1h inteira batendo os talheres no almoço pensando na treta que era levantar a cabeça e pedir desculpas de uma vez. Posso estar errada, mas acho que na maioria das vezes esse é um bom parâmetro: se pedir desculpas não é nem um pouquinho incômodo é porque, nem que seja lá no fundo, a gente não está sentido a culpa (ou a vergonha, que seja) pelo que fez.
Se dá para piorar a situação e os questionamentos, ainda consigo pensar rapidamente se o ato de pedir desculpas de uma vez não acaba tornando tudo muito confortável:::: a gente se acostuma tanto a pedir desculpas mesmo sem estar culpado que, de repente, para se autoavaliar e acredita que está pedindo desculpas sem estar culpado ATÉ quando está culpado - e quando a gente é culpado de verdade é importante sim aceitar as cargas da culpa, PELO MENOS com o intuito educativo, afinal de contas tem coisas que a gente precisa errar e internalizar para aprender com propriedade. ENFIM, muita água e muita margem para apenas um cérebro problematizador, alguém tá afim de debater?
Se dá para piorar a situação e os questionamentos, ainda consigo pensar rapidamente se o ato de pedir desculpas de uma vez não acaba tornando tudo muito confortável:::: a gente se acostuma tanto a pedir desculpas mesmo sem estar culpado que, de repente, para se autoavaliar e acredita que está pedindo desculpas sem estar culpado ATÉ quando está culpado - e quando a gente é culpado de verdade é importante sim aceitar as cargas da culpa, PELO MENOS com o intuito educativo, afinal de contas tem coisas que a gente precisa errar e internalizar para aprender com propriedade. ENFIM, muita água e muita margem para apenas um cérebro problematizador, alguém tá afim de debater?
Esse texto não tem conclusão. Vocês sabem que minhas filosofias de botequim (ou seriam sociologias de pia de cheia de louça?) nunca terminam concluídas porque não passam de uma agitadíssima auto-reflexão que eu prefiro, ao menos, deixar registrada antes de simplesmente deixar passar. Parafraseando Caio F., escrevendo eu me escuto pra caralho - e vai que, de quebra, ainda não acaba servindo para alguém?