Porque, céus, como já falei das flores! Basta um ensaio incrível, um aquecimento transformador, um caso cômico ou uma estreia transcendental para eu aparecer aqui com os dedos ávidos no teclado e os olhos escorrendo amor para falar sobre o teatro. E aí eu corro a mão pelo teclado e desando a tagarelar, por linhas a fio, sobre a maravilha de viver “em cima de um palco”. Sobre as flores eu vivo falando. E sendo as minhas flores preferidas do mundo as margaridas ou não, o teatro, como grande parte das coisas dessa vida, é um grandessíssimo buquê de rosas vermelhas.
Sim. Rosas vermelhas são lindas. Majestosas. Imponentes. Glamorosas. Chegue em algum lugar com um buquê de rosas vermelhas nos braços. Todo mundo vai parar para olhar e vai ter algum comentário pra fazer. Nossa, como são incríveis as rosas vermelhas. Mas não se esqueça de tomar cuidado ao pegar no cabo. Estará lotado de espinhos.
Os espinhos não são insuportáveis. São coisas com as quais aprendemos a lidar. É só tomar cuidado na hora de encaixar os dedos, e assim você pode impor sua rosa vermelha na cara da sociedade. Só que sua mão invariavelmente vai ter escorregado em algum momento. E enquanto as pessoas veem a rosa vermelha, você está radiante por mostrá-la, mas só você sabe o quanto os espinhos te arranharam!
O palco é sim radiante. É brilho. É glamour. Estar ali em cima dá um sopro de vida, uma força pra alma. Eu nunca saio de um palco da mesma forma que entrei. É transformador. E é ainda mais transformador pensar que estamos transformando também a vida de quem foi assistir. É uma sensação incrível estar em cima de um palco apresentando uma peça. Só que não é só isso. Não é só entrar no figurino, deslizar pelo cenário, dar o texto na hora certa com a intensão certa e coisas do gênero.
É exaustivo. Tem muita coisa por trás. Tem avalanches de esforços. Tem passar tardes fazendo cenário, e só lembrar às 18h30 que você não almoçou. Tem reformular toda uma rotina pra poder passar horas e horas a fio ensaiando. Tem repetir a mesma cena 230 vezes, não aguentar mais falar a mesma coisa, e ainda assim, dar toda a força que você tem pra parecer que é a primeira vez. Afinal de contas, se você já está careca de saber que o personagem está aflito à toa, o público não tem nada com isso e quer sentir a aflição.
Fazer teatro não é subir num palco com textinho decorado. Fazer teatro é carregar tijolos, é passar o dia agachada no chão pintando madeira e colando florezinhas de cola quente, é provar figurino, fazer listas mentais, pensar no personagem durante dias, ter pânico de o personagem simplesmente não querer surgir dentro de você…
Às vezes a coisa flui. Às vezes você se pega sentado na cama às 4h da manhã cheia de ideias, com mais de 2 meses faltando pra peça, sentindo cada fala na sua pele e tendo outros milhões de insights. Às vezes o personagem, aquele fanfarrão, só resolve aparecer no dia do ensaio geral. Invariavelmente, a hora que ele de repente aparece, dá pra perceber aquele calor no peito, o sorriso abre sozinho. Como é bom se encontrar. Não, isso não quer dizer que ele não vá sair passear nunca mais. Porque ele vai. E como é frustrante quando isso acontece. Como é horrível apresentar uma peça sem sentir o personagem no coração. Tudo fica vazio. O olhar é o primeiro a desaparecer. E aí é o dobro de concentração e força pra segurar na técnica aquilo que na hora não funcionou na paixão…
Gente, teatro não é glamour. É batalha. Mas é uma batalha que a gente entra pra ganhar, sem outra opção. Porque alimenta o espírito de uma forma que é impossível explicar. É uma batalha que sempre me faz ficar maluca por volta de 15 dias antes da estreia, onde a peça está cada vez mais próxima de acontecer e as coisas parecem ficar cada vez mais distante de estarem prontas. É o bloquinho de contas. É a olheira. É o cansaço. É começar a tratar das pendências da peça às 9h da manhã e terminar às 22h30. É colocar a mão na testa e se perguntar onde diabos estava com a cabeça quando resolveu ser atriz. É surtar e sair falando pelos cantos esse desespero. É saber que a TPM muitas vezes tem o nome da peça e o sobrenome do personagem. É se jogar num travesseiro e não querer levantar nunca mais. Sim, tudo isso é teatro. Mas sim, vai ser teatro também a hora que você subir no palco para estrear e a coisa acontecer. E sim, isso faz tudo valer a pena. Tudo.
A minha TPM da vez se chama ESTADO, e estreia dia 23. Sim, já temos um cenário. O figurino está se encaminhando. Eu apanho em cena (e me divirto!) e sempre saio roxa dos ensaios. Não, ainda não encontrei a Vitória que existe dentro de mim. Sim, estou com o psicológico morrendo de medo. Sim, manchei minha calça jeans de tinta a óleo. Não sai. Sim, parafusei horrores. Sim, tentei martelar e quase martelei o dedo. Sim, hoje, domingo 17, começa oficialmente a maratona da semana-intensiva-que-antecede-a-estreia. Sim, amanhã tem churrasco na casa do meu tio e eu não vou porque tenho que ensaiar. Em pleno domingo. Sim, fiquei chateada porque a minha mãe joga na minha cara que a Anna Beatriz nem pergunta mais por mim quando eu não apareço. Sim, eu gostaria de passar a tarde rolando com ela no chão, mas eu preciso ensaiar! A lágrima às vezes vem quente, mas a gente sabe que vale. Por hora, a única coisa que sei é que dia 23, às 21h, estarei subindo no palco de novo. E mesmo que tudo dê errado (bate na madeira 3, 6, 12 vezes) estaremos ali em cima. Respirando essa energia que é o melhor alimento do mundo. E lá fui eu, que tentei e tentei falar dos espinhos, mas já acabei nas pétalas mais lindas das Rosas. É que o jardim é tão vasto, que não, absolutamente não tem como não falar de novo das flores!